Mário Moreno/ agosto 7, 2019/ Artigos

A Linguagem da Sabedoria

A linguagem – em sua forma escrita e oral – é a ferramenta básica para se transmitir uma sabedoria. Por essa razão, é impossível entender o judaísmo sem conhecimento do real significado dos conceitos e códigos transmitidos por esta sabedoria.

A Sabedoria de Israel está composta da Tradição Escrita/Torah shebichtáv e da Tradição Oral/Torah shebealpê que, em conjunto, formam o conhecimento judaico.

A Torah de Israel, nossa Sabedoria e Tradição; pode ser comparada a um grande pomar com árvores frondosas, fortes ramos e profundas raízes das quais extraem sua vitalidade. Para que essas árvores dêem frutos, é necessária uma elaboração da qual participem todos os elementos de nosso pomar.

A semente colocada na terra deve receber luz e água para finalmente dar seu fruto.

Nossa tradição nos relata que o homem é comparado a uma árvore do campo. Para que o homem possa receber, é necessário que transforme, através de seu trabalho, a matéria-prima do mundo.

No mundo não há edifícios já construídos; devemos construí-los. Para comer pão, devemos plantar, colher e depois assar, etc.

O Kadósh Barúch Hú nos deu os elementos básicos para podermos completar a Criação.

O Kadósh Barúch Hú nos deu a Torah, o plano – mas, para extrair a Sabedoria contida na Torah, devemos nos esforçar e, auxiliados por ela, extrair os frutos do nosso interior.

Quando a Torah não é trabalhada estudada, é como se ter uma semente, terra e água, tudo potencialmente; mas, para comer o pão, falta o trabalho do homem. E, por sua vez, para que todos possam comer, falta ensinar a arar, plantar, colher, assar e saber dar.

A palavra pomar, em hebraico pardes, alude ao pomar da Sabedoria, visto que as letras desta palavra formam as quatro perspectivas através das quais entendemos a Torah.

A primeira letra (Pêi) refere-se ao peshat.

Peshat caracteriza o simples, é o relato literal da Torah. É exatamente o que lemos e escutamos, sem segundas intenções. É a origem de todas as formas e percepção.

A segunda letra (Rêsh) alude ao rémez.

Rémez indica-nos uma insinuação. Não há uma diferença substancial com o Peshat, mas revela o interior dele.

O rémez dá uma dimensão mais profunda ao relato, já que os personagens, as situações e todos os detalhes apresentados pela Torah, inclusive as letras, nos transmitem uma lição sempre atual.

No peshat as ideias são expressas de forma direta, detalhada e explicitamente, enquanto que o remez são mencionadas pelo caminho invisível da insinuação e, para um bom entendedor; meias palavras bastam.

Esses dois caminhos de entendimento “cuidam” do interior da Torah, já que ocultam mais do que revelam.

Ao entrar no laboratório de um grande cientista, sem o conhecimento dos códigos de sua ciência, pouco ou nada entendemos, apesar de termos tudo frente aos nossos olhos.

A terceira letra (Dálet) indica-nos o drash.

Drash provem do verbo “exigir“. Esta leitura encerra uma busca, pela qual o homem exige um significado mais profundo do texto do que nas perspectivas anteriores.

A última letra do pardes (Samech) indica-nos o sod.

Sod significa “segredo“. O Zôhar, define o sod como causa, já que quem conhece a causa, conhece a consequência, ou seja, o “segredo”.

Enquanto o peshat e o rémez são, de certo modo, passivos para o principiante, o drash e o sod são decididamente ativos; provém de um imperativo totalmente consciente da vontade.

Cada uma dessas perspectivas, através das quais a Torah se expressa e se manifesta, não indicam uma mudança na essência interior da Torah, e sim na forma pela qual ela se apresenta perante nossa percepção e entendimento.

O Rabino Ashlag nos explica que, do mesmo modo que uma pessoa se veste para apresentar-se frente ao público, a Torah se “reveste” com diferentes “vestimentas” para que os homens possam se aproximar dela, gradativamente, fazendo-a parte de suas vidas.

O entendimento integral da Torah requer uma visão que sintetize a Sabedoria em uma só e única visão, como se observássemos, ao mesmo tempo, um mesmo acontecimento a partir de todos os ângulos possíveis.

Cada uma das perspectivas do pardes é imprescindível para que nossa compreensão da Sabedoria seja plena.

Sendo Sod a causa, ela inclui todas, já que quando compreendo o significado interior como consciência dos objetivos, começo a perceber a ordem na qual cada aspecto cumpre sua função.

A Sabedoria da Torah é expressa através de quatro linguagens gerais:

A linguagem da Torah

Expressa nos 5 livros de Moisés (Pentateuco).

A linguagem da Halachá

Compêndio de leis e códigos, que inclui a Mishná, o Talmud, o Shulchán Arúch, etc., transmitido em uma linguagem técnica e sintética.

A linguagem da Agadá

Midrash, relatos que ampliam e continuam a tradição escrita, Torah shebichtáv (Pentateuco) e a tradição oral, Torah shebealpê (Mishná, Talmud, Shulchán Arúch, etc.).

Sendo assim podemos então compreender que para entendermos as Escrituras temos a necessidade de acessar estas ferramentas a fim de que tenhamos um maior entendimento da Palavra e consequentemente façamos uma interpretação mais equilibrada e dentro dos padrões aceitáveis, fugindo assim de extremismos e também de “heresias”.

Que possamos aprender cada vez mais com as Escrituras assim como também com as ferramentas que o judaísmo colocou à nossa disposição para termos este pleno entendimento da Palavra.

Baruch ha Shem!

Adaptação: Mário Moreno.