Mário Moreno/ março 10, 2020/ Artigos

O antigo método interpretativo judaico

Quais são as formas de interpretação de um texto dentro das Escrituras? Em que isso pode nos ajudar na hora de interpretarmos os textos das Escrituras?

Vamos entender como funciona não somente a forma de interpretação como também as suas aplicações dentro das Escrituras.

As Formas de interpretação

Pardes é um acróstico que descreve quatro diferentes abordagens da exegese bíblica do Judaísmo rabínico, que ganhou reconhecimento no comentário do Pentateuco de Baḥya ben Asher de Zaragoza (1291), mas, não conhecida por esse termo ainda, que se tornou uma das obras exegéticas mais populares. Os quatro métodos enumerados na introdução desse comentário do quais devem ser aplicados as passagens bíblicas:

  1. O caminho de Peshat (Peshat);
  2. O caminho do Midrash (Midrash);
  3. O caminho da Razão (ou seja, a exegese filosófica),
  4. O caminho da Cabalá.

Paralelamente ao comentário de Baḥya sobre o Pentateuco; apareceu na Espanha o Livro que estava destinado a ser a pedra angular da Cabala que tomou para si o título de relíquia do misticismo antigo, devido ao fato dele fazer referência à Escola de sábios (Tanna; Amora; Savora; Gaon, etc.) que produziu as antigas obras tradicionais, a saber: a Mishná o Talmud e o Midrash. Este Livro o Zoar, usa a forma midrashista percorrendo o Pentateuco, com interrupções, digressões e complementos adicionais originais. Assim como o comentário de Baḥya, mas, em uma base diferente o Zoar assume quatro tipos de exegese, ou melhor, significado quádruplo, que ganharam o nome de PaRDeS, que são as siglas destas abordagens:

  1. Pshat (פשט) – Simplista, análise rudimentar de um versículo ou passagem.
  2. Remez (רמז) – Sugestivo, sentido tipológico, que alude ou exige uma exposição ampliada do sentido literal.
  3. Drash (דרש) – Demandado, método midráshico, por comparação, ocorrências.
  4. Sod (סוֹד) – Oculto, sentido místico ou metafísico da passagem, geralmente uma inspiração ou revelação alcançada por exegetas, rabinos, cabalistas e aspirante.

Dentro destes níveis de interpretação uma ferramenta muito útil é usada para que novas conexões sejam feitas e haja um entendimento ainda mais profundo das Escrituras. Esta ferramenta se chama gematria. Mas o que é isso?

Gematria é o método hermenêutico de análise das palavras bíblicas somente em hebraico, atribuindo um valor numérico definido a cada letra. É conhecido como “numerologia judaica” e existe na Torah (Pentateuco).

A cada letra do alfabeto hebraico é atribuído um valor numérico, assim, uma palavra é o somatório dos valores das letras que a compõem. As escrituras são então explicadas pelo valor numérico das palavras”.

Vale a pena lembrar que esta “numerologia judaica” nada tem a ver com outros tipos de “numerologia”; a gematria é uma ciência bíblica que tem finalidades muito bem definidas e estas apontam para as conexões dos textos e palavras em níveis mais profundos e também é usada para que seja possível entender-se através das letras hebraicas – que também são números – as conexões que existem nos níveis de entendimento da Bíblia.

Vamos a um exemplo:

O número quatorze é um exemplo claro de gematria – um método interpretativo judaico que atribui números a cada letra hebraica. Por exemplo: a primeira letra hebraica, Alef (א), equivale a 1; Dalet (ד), a quarta, equivale a 4; e Vav(ו), a sexta, equivale a 6. A gematria calcula o valor numérico de uma determinada palavra e, em seguida, compara com outra palavra de mesmo valor numérico, revelando assim uma ligação entre elas.

Então, por que catorze?

Dentro da genealogia descrita em Mateus há uma construção em torno do número 14 porque o nome de David em hebraico (דוד) tem este valor: ד (dalet) + ו (vav) + ד (dalet), ou 4 + 6 + 4 = 14. Além disso, David é o décimo quarto nome listado na genealogia. A ênfase em David aqui é plenamente clara. Mateus usa o número catorze para ligar Ieshua ao Rei David, e assim apresenta sua genealogia de forma distintamente judaica.

Isso não parece ser importante para nós, pois nem mesmo damos atenção às genealogias que existem nas Escrituras, mas para um judeu a genealogia indica a origem daquela pessoa e suas conexões com os antepassados de Israel e apontam para realidades que tiveram início no passado e se prolongam no presente.

Descubra o contexto judaico

Tanto a genealogia quanto a gematria eram importantes para os judeus do primeiro século. Portanto, era muito importante que Mateus usasse esse número para tornar óbvia a ligação entre Ieshua e David.

Em Mateus a genealogia de Ieshua é dividida em três blocos de 14 gerações totalizando 42. O que isso significa?

Em primeiro lugar é um recurso mnemônico – que ajuda na fixação da informação – ressaltando a conexão de Ieshua com David e assim colocando-o na linhagem dos reis de Israel.

Por que isso era importante? O motivo dessa informação está na conexão entre o Messias e a casa de David. Segundo a tradição judaica o Messias deve ser descendente da linhagem de David. A tradição judaica diz: “Um dos princípios da fé judaica enumerados por Maimônides é que um dia surgirá um líder judeu dinâmico, um descendente direto da dinastia do Rei David”. Esta afirmação define então a característica principal do Messias: sua ascendência davidica.

Existem outros versos na Brit Hadasha que declaram a filiação de Ieshua com a casa de David e que comprovam isso:

  • E, partindo Ieshua dali, seguiram-no dois cegos, clamando e dizendo: Tem compaixão de nós, filho de David” Mt 9.27.
  • E toda a multidão se admirava e dizia: Não é este o filho de David?” Mt 12.23.
  • E eis que uma mulher cananéia, que saíra daquelas cercanias, clamou, dizendo: Senhor, filho de David, tem misericórdia de mim, que minha filha está miseravelmente atormentada do diabo” Mt 15.22.

Estas são evidências textuais que também ligam Ieshua a David sem o uso da gematria, confirmando assim as conexões feitas através deste método.

Conclusão:

A gematria é mais uma ferramenta que quando bem utilizada nos permite alcançar níveis mais profundos de entendimento bíblico e também nos permite fazer conexões textuais inesperadas, pois conecta palavras e versos que não seriam conectados sem esta ajuda.

Que possamos aprender a nos utilizarmos desta – e também de outras – ferramentas para que nossas interpretações das Escrituras tenham maior significado e também uma firmeza maior naquilo que dizemos em relação ao que está escrito.

Dominar a ferramenta usando de todos os seus recursos é fundamental, pois somente o uso certo dela poderá nos levar a conclusões sólidas e transformar a vida de nossos ouvintes ou leitores.

Que o Eterno nos ajude a entendermos e a usarmos esta e outras ferramentas para levarmos esta mensagem – em todos os níveis – a todas as pessoas em nome de Ieshua!

Baruch ha Shem!

Mário Moreno.