Perder a fé
Perder a fé
Quando as pessoas perdem a fé
Rabino Chefe da Inglaterra, Professor Jonathan Sacks
É definitivamente estranho. Quanto mais altas as conquistas científicas humanas, mais baixo cai a autoestima humana. Posso encontrar apenas uma explicação. Quando as pessoas perdem a fé em D’us, perdem a fé na humanidade também. Considere os últimos cinco séculos. Primeiro vieram Copérnico, Kepler e Galileu, e nos ensinaram que a terra, nossa habitação, não está no centro do universo. Não é sequer o centro do sistema solar.
Então ficou ainda pior. O sistema solar é apenas uma minúscula parte de uma galáxia com talvez cem bilhões de estrelas. A galáxia é somente uma parte pequena do universo, com cem milhões de outras galáxias. O planeta que certa vez consideramos tão vasto é um mero grão de poeira na superfície do infinito.
Então veio Spinoza e nos disse que o livre arbítrio é uma ilusão. Somos físicos. Todas as coisas físicas estão sujeitas a causas naturais. A conexão ente causa e efeito é necessária. Portanto não há liberdade, exceto a consciência da necessidade.
Então veio Marx e nos disse que a mais sagrada das atividades humanas, a religião, foi um instrumento planejado pelos ricos para manter os pobres em seu lugar, dizendo-lhes que seu sofrimento é a vontade de D’us.
Então veio Darwin e disse que não há nada diferente em ser humano, afinal. Não somos a imagem de D’us. Somos primos próximos dos macacos.
Daí veio Freud e disse que nossos instintos mais elevados são na verdade os mais baixos. Há muito tempo os filhos da tribo se juntaram para matar seu pai, o macho alfa, para poderem tomar seu lugar. Por fim eles foram assombrados pela culpa – ele chamou isso de retorno dos reprimidos – e é isso que é a religião. Ele a chamou de neurose obsessiva da humanidade.
Veio então os neo-darwinianos do nosso tempo para nos dizer que somos genes egoístas e tudo aquilo que parece idealismo, virtude e nobreza de caráter está na verdade apenas a um gene de distância de reproduzir-se na próxima geração. “Arranhe um altruísta”, disse Michael Ghiselin, “e veja um hipócrita sangrar.”
Nossa própria existência, dizem eles, é um mero acidente. Nossa evolução foi ao acaso. A natureza que nos originou é cega. Se tivéssemos de voltar no tempo e reviver o processo evolutivo não há garantia, nem sequer uma probabilidade, de que o Homo sapiens fosse emergir.
Tudo isso estava sendo dito e pensado enquanto os seres humanos estavam realizando aquilo que nenhuma outra forma de vida jamais realizou, o que nenhuma geração anterior de seres humanos sequer pensou ser possível.
Portanto, quanto mais elevada é a nossa conquista científica, mais baixa é a nossa auto-avaliação. Agimos como anjos; nos vemos como vermes. Às vezes você tem de ser muito inteligente de fato para acreditar numa proposição tão tola.
Sim, somos parte da natureza, mas também temos cultura. Sim, nossas ações têm causas, mas também têm propósitos, aqueles que imaginamos livremente e escolhemos livremente fazer acontecer. Sim, a religião nos consola pelo nosso destino, mas também nos impele a acreditar que com a ajuda de D’us podemos mudá-lo. Daí os cristãos, judeus e outros que lutaram para abolir a escravidão naquela época, a pobreza global atualmente.
Sim, somos parte da família darwiniana da vida. Assim disse Cohêlet: “Um homem não tinha preeminência sobre um animal; pois tudo é vaidade.”
Podemos todos nos sentir assim numa tarde chuvosa de quinta-feira. Porém um estado de espírito não é uma verdade.
Nenhum animal pintou uma caverna equivalente ao teto da Capela Sistina. Nenhum animal disse: “Ser ou não ser.” Nenhum animal filosofou dizendo que ele ou ela poderia ser mais que um humano peludo. Nenhum animal jamais foi ateu, pelo que eu saiba. Podemos compartilhar muitos dos nossos genes com os primatas, como fazemos com as moscas das frutas e com o fermento, mas ainda não consigo ver a semelhança familiar.
Chego à conclusão oposta. Enquanto os judeus se preparam para Yom Kipur, o mais sagrado dos dias, quando ficamos perante D’us em julgamento e pedimos perdão a Ele, eu sei que podemos fazer o que nenhuma outra forma de vida pode. Podemos dizer: “Eu errei.” Tudo que vive, age. Somente nós podemos expressar remorso pelos nossos atos. Somente nós podemos tomar a resolução de mudar.
Somos pequenos, mas somos capazes de grandeza, egoístas mas muitas vezes altruístas, pó da terra mas também a imagem de D’us. Quando eu tenho fé em D’us descubro que recupero também a minha fé na humanidade.
Extraído do site do Beit Chabad Brasil.