Sha´ul e a Torah
Sha´ul e a Torah
Sha´ul e os mandamentos da Torah
Em Colossenses capítulo 2 mais uma vez nosso irmão Sha´ul tenta explicar aos irmãos a diferença entre as duas dimensões nas quais o homem vive: a dimensão humana e a dimensão eterna.
Suas explicações dão início no primeiro verso do capítulo 2, mas é no verso 8 que ele faz uma distinção interessante e que diz: “Tende cuidado, para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo os mandamentos dos homens, segundo os caminhos do mundo, e não segundo o caminho Ungido” Cl 2:8. Este verso nos mostra que existem duas coisas completamente diferentes: os caminhos dos homens e o caminho do Ungido. Um no plural e o outro no singular. Sutil, mas determinante. Isso já nos mostra que o homem também tem “mandamentos” que agem como um padrão em suas vidas. Estes certamente não tem como base as Escrituras e portanto podem ser mudados a qualquer hora dependendo da conveniência e do momento. Estes mandamentos humanos apontam para o “caminho do mundo” e ele é detalhado assim por Ieshua: “Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela; e porque estreita é a porta, e apertado o caminho que leva à vida, e poucos há que a encontrem” Mt 7:13-14.
O contrário disso é o caminho do Ungido, que conforme lemos acima é apertado e difícil, mas que conduz à vida eterna! Ele nos informa que “Temos a plenitude nele, que é a cabeça de todo o principado e potestade” (CL 2.10). Ele fala também sobre uma transformação que vem através da circuncisão do Ungido: “No qual também estais circuncidados com a circuncisão não feita por mão para despir-se da morte na carne, mas a circuncisão do Ungido” Cl 2:11. Este verso é interessante pois nos mostra que a circuncisão quando não vem acompanhada do temor do Eterno – assim como todos os demais mandamentos – anula-se a si mesma e deixa o homem numa situação muito delicada. A circuncisão de Ieshua é uma circuncisão que deve atingir primeiro o coração do homem para que ele possa de fato andar em obediência – isto significa, cumprindo os mandamentos do Eterno – pois quando isso acontece faz com que a natureza do homem [caráter] possa ser também mudado de forma radical levando-o a um grau de submissão e obediência que uma simples ordem não conseguiria! Isso já havia sido profetizado antes na Torah: “Circuncidai, pois, o prepúcio do vosso coração, e não mais endureçais a vossa cerviz” Dt 10:16; também “E o IHVH teu Elohim circuncidará o teu coração, e o coração de tua descendência, para amares ao IHVH teu Elohim com todo o coração, e com toda a tua alma, para que vivas” Dt 30:6. Estes versos nos mostram que já existiam duas circuncisões: a física e a espiritual.
Agora nos versos seguintes veremos que Sha´ul completa esta informação dizendo: “Sepultados com ele na imersão, nele também ressuscitastes pela confiança no poder de Elohim, que o ressuscitou dentre os mortos. E, quando vós estáveis mortos em nossas rebeliões, e na incircuncisão da vossa carne, vos vivificou juntamente com ele, perdoando-vos todas as ofensas, havendo riscado a cédula que era contra nós nas suas ordenanças, a qual de alguma maneira nos era contrária, e a tirou do meio de nós, cravando-a na estaca de execução” Cl 2:12-14.
Primeiro Sha´ul nos fala sobre a imersão como uma figura de um sepultamento e de uma vida que é restaurada aos primórdios. A imersão quando feita da forma correta e com a intenção de restauração causa um efeito maravilhoso na vida de quem passa por esta experiência. É como uma ressurreição… estivemos mortos por algum tempo e ressurgimos da morte para continuarmos a vida, mas agora com uma consciência e uma perspectiva diferente, pois a experiência com a “morte” nos influenciou de tal forma que agora desejamos somente andar de forma correta para herdarmos a vida eterna!
Um outro aspecto abordado por ele é que “estávamos mortos em nossas rebeliões e na incircuncisão”; onde a palavra “rebelião” vem do termo hebraico “pasha´” significando “rebelar-se, transgredir, revoltar-se”. O nosso estado era este: de revolta, de transgressão contra o Eterno e nessa transgressão está incluída a circuncisão! Mas – perguntamos – para que serve a “circuncisão”? A tradição judaica nos informa sobre isso o seguinte:
“Berit milá é circuncisão. É a mitsvá positiva de nº 215. Um recém-nascido judeu do sexo masculino junta-se ao povo judeu através do berit milá, realizado em seu oitavo dia de vida.
“Berit” significa “pacto.” A fé de nosso patriarca Avraham (Abraão) foi testada dez vezes por D’us, após o quê D’us estava certo de que suas convicções eram inabaláveis. A nona provação foi remover o excesso de pele de seu órgão masculino, denotando o domínio espiritual sobre a compulsão primitiva. Depois de todas as dez, Avraham entrou em um pacto de fé mútua com D’us, que vive para sempre”.
“D’us concedeu ao Seu povo escolhido sinais deste relacionamento especial. O Shabat é um sinal no tempo. A mezuzá é um sinal no espaço. O brit milá (circuncisão) é um sinal do nível da alma. A conexão entre a mezuzá e a circuncisão pode ser observada a partir do imperativo em Yechezkel 16:6 e recitada na cerimônia do brit milá: “em teu sangue, vive.” O sangue aparece na Torah em Shemot 12:22 onde a palavra “mezuzá” é mencionada pela primeira vez. Isto está no contexto do Mandamento de assinalar os batentes dos lares judaicos com sangue do sacrifício de Pêssach na época do Êxodus. Além disso, o Zôhar declara que “o sangue era de dois tipos, aquele da circuncisão e o do cordeiro de Pêsssach.” O Zôhar compara o local da circuncisão com a “porta do corpo”. Os dois conceitos também estão justapostos em Bereshit 18:1, descrevendo Avraham: “… ele sentou-se [abatido pela sua circuncisão] à porta de sua tenda”.
Bem, agora sabermos que a circuncisão tem um significado tanto físico quanto espiritual e era disso que Sha´ul falava aos irmãos. O que Ieshua fez foi nos perdoar pelas nossas rebeliões passadas e nos colocar numa outra dimensão de vida na qual agora temos liberdade para obedecermos à Ele! Antes de nos tornarmos seus filhos éramos dominados pelo maligno e não tínhamos liberdade para obedecermos ao Eterno por estarmos presos ao adversário. Agora, livres do adversário podemos obedecer com nosso coração, alma e entendimento ao Eterno sem qualquer obstáculo!
Sha´ul finaliza seu raciocínio dizendo: “havendo riscado o escrito que arruinou a permissão de suas ordenanças, a qual de alguma maneira nos era contrária, e a tirou do meio de nós, cravando-a na estaca de execução”. Aqui a palavra “ordenanças” é “chuqqâ” que significa: “estabelecimento de uma lei, estatuto, ordenança, maneira”. A tradição judaica nos informa a este respeito o seguinte: “As mitsvot da Torah, geralmente, pertencem a uma de três categorias”:
- Mishpatim – Leis Civis: “Mishpatim” são leis Divinas que promulgam a segurança e sobrevivência da sociedade humana. Incluem, por exemplo, a proibição de roubar e matar.
- Edut – Testemunhos: Se uma mitsvá testemunha um evento histórico ou algum aspecto de nossa fé, é chamada de “Edut”, testemunho. São exemplos a mitsvá de observar o Shabat, que atesta nossa crença de que o Todo Poderoso criou o mundo em seis dias; observar as Festas (Iom Tov), pois comemoram o Êxodo do Egito; as mitsvot de tsitsit e tefilin que demonstram nossa crença na soberania de D’us.
- Chukim – Decretos Divinos: Na categoria de chok (plural: chukim) classifica-se todas as mitsvot cujo propósito ou significado não são compreendidos pela inteligência humana.
Esta categoria de mandamentos é a mais difícil de respeitar. O Talmud nos diz que essas são as leis que “a má inclinação (yêtser hará) e as nações do mundo tentam contestar.” Se não compreendemos o motivo de alguma coisa é tentador achar pretextos para não fazê-la. Quando tentamos explicar nossa religião aos não-judeus, as leis que não tem um motivo óbvio são as mais difíceis de compreensão. O fato de um mandamento não ter um motivo óbvio torna seu cumprimento um ato de fé, muito mais ainda. Ele indica que estamos prontos e desejosos de obedecer às ordens de D’us, até mesmo quando não podemos justificá-las racionalmente.
Todas as leis de pureza e impureza ritual pertencem à essa categoria de mandamentos conhecidos como chukim, decretos. Portanto, disseram nossos sábios, “O corpo morto não impurifica, e a água não purifica. Mas sim, disse D’us, Eu dei uma ordem, e emiti um decreto – e você não tem permissão para questioná-lo.”
Demonstramos assim, que estamos colocando D’us acima de nosso próprio intelecto. Apesar de talvez não sermos capazes de justificar esses mandamentos perante o mundo, expressamos nossa segurança interior como judeus ao continuar cumprindo-os.
Há numerosos exemplos de chukim, mas o Midrash enumera quatro sobre os quais a Torah afirma explicitamente: “Este é um chok.” Uma vez que contém elementos aparentemente contraditórios, são passíveis de serem ridicularizados pelos que se pautam pelo pensamento racional. Por isso, a Torah aconselha o judeu a dizer a si mesmo: “É um chok, não tenho direito de questioná-lo.”
Os quatro chukim são:
- Yibum: Um judeu que se casa com a esposa de seu irmão enquanto este ainda está vivo, ou mesmo após sua morte, incorre em pena de caret (morte espiritual), contanto que seu irmão tenha tido filhos. Porém, se a esposa do irmão não tem filhos, é mitsvá casar-se com ela (levirato, yibum).
Sendo que a lógica acha muito difícil aceitar este paradoxo, o versículo enfatiza: “E vocês guardarão Meus chukim.” (Vayicrá 18:26).
- Shaatnez: A Torah proíbe vestir-se com roupas que contenham mistura de lã com linho. Não obstante, é permitido vestir um traje de linho em cujos cantos haja tsitsit de lã atados. Por mais que questionemos esta exceção, a Torah declara, no que concerne à mitsvá de shaatnez: “E vocês guardarão Meus chukim.” (Vayicrá 19:19).
- O bode para Azazel: Um bode era enviado à morte como parte do Serviço de Yom Kipur, purificando o povo judeu de seus pecados. Ao mesmo tempo, impurificava o agente que o enviava. Por conseguinte, esta lei é chamada de “um chok eterno” (Vayicrá 16:29).
- A vaca vermelha: As cinzas da vaca vermelha purificavam um judeu que encontra-se impuro, enquanto tornavam impuro qualquer um que estivesse envolvido em sua preparação. Uma vez que isto também desafia a lógica, a Torah introduz o assunto com as palavras: “Este é o chok da Torah” (19:2); devemos aceitar a mitsvá como uma ordem Divina.
Os chukim, contudo, não são “leis sem razão”; sua lógica, porém, é Divina. Os maiores dentre
nosso povo foram capazes de compreender algumas delas.
Assim, o fundamento racional por trás das leis da vaca vermelha foram reveladas de maneira Divina a Moshê”.
Então o que Sha´ul estava dizendo? Ele aboliu a Torah com suas palavras? Não, mas ele estava nos falando que havia uma condenação para aqueles que não conseguiam cumprir este “chukim” – decretos divinos, estatutos – e que agora foram “perdoados” por Ieshua em nossas vidas, pois o simples “desconhecimento” de uma lei não torna o transgressor livre da pena pela transgressão!
Ieshua então levou consigo também estes “pecados” que cometemos por ignorância, mas nos deu a partir de agora uma condição diferenciada de darmos início a um processo de obediência que deverá tentar aproximar-se o máximo da perfeição. É claro que não temos condições de obedecer a todos os mandamentos, pois não estamos em Israel e nem temos o Templo para obedecermos tudo, mas o que estiver dentro de nossas condições isso devemos fazer.
Por isso o raciocínio de Sha´ul é completo quando diz: “Portanto, ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa dos dias de festa, ou da lua nova, ou dos sábados, que são sombras das coisas futuras, mas o corpo é do Ungido” Cl 2:16-17. Quando entendemos estas palavras vemos que agora ele já está falando para pessoas que desejam obedecer aos princípios das Escrituras no que se refere às Festas do Eterno e diz: “ninguém vos julgue”, pois estas coisas apontam para outras realidades que ainda virão – relacionadas com a eternidade – e isso tudo veremos e viveremos lá, por isso o que fazemos aqui é somente uma “sombra” daquilo que veremos com nitidez na eternidade.
Sha´ul mais uma vez nos surpreende com sua mente que nos leva a entendermos cada vez mais o que o Eterno deseja de nós.
Que sejamos obedientes e busquemos a cada dia mais estar prontos para aquele grande dia quando o que é “sombra” se tornará realidade!
Baruch ha Shem!
Mário Moreno.