Mudança de nome na Torah

Mário Moreno/ fevereiro 13, 2018/ Artigos

Mudanças de Nome na Torah

Por Shlomo Chaim Kesselman

No decorrer da Torah muitas pessoas têm seus nomes mudados. Abram se torna Abraham, Sarai muda para Sarah e Hoshea para Joshua. Até Ia´aqov ganha um nome inteiramente novo: Israel.

Qual é o significado dessas mudanças?

Como tudo na Torah, até pequenas mudanças têm grande significado. Para entender melhor essas mudanças de nomes, vamos analisar a ideia de um nome hebraico, e o que significa mudar. Então, olharemos melhor para os eventos que cercam essas alterações de nomes em particular, e seu significado.

O que é uma Palavra?

Em português, ou em qualquer outro idioma, as palavras são basicamente arbitrárias. O nome para um objeto não tem uma conexão intrínseca com o objeto em si. Por exemplo, água é chamada de “água” não por que a palavra em si, ou suas letras componentes, têm qualquer conexão com o líquido. As pessoas simplesmente concordam em chamá-la de “água” para que possam se entender e se comunicar. E assim é com qualquer outro nome em qualquer outro idioma.

Não é assim com o hebraico, o idioma sagrado, a linguagem com a qual D’us criou o mundo. As 22 letras do alfabeto hebraico representam 22 formas diferentes de D’us dar vida à energia. Através dessas letras, a energia Divina entra no cosmo e torna vivo tudo que há na criação. As letras hebraicas que formam o nome de um objeto representam as combinações diferentes da energia Divina necessária para manter aquele objeto específico existente. Portanto, as palavras hebraicas são precisas, pois são a energia vital Divina dando vida a toda criação (Tanya, Shaar Hayichud Ve’Emuná cap. 1-2; Basi Legani 5716).

Agora, sobre os Nomes

Como ocorre com objetos físicos, também ocorre com as pessoas. O nome hebraico de uma pessoa é sua força vital, e portanto tem um tremendo impacto sobre aquela pessoa. Os cabalistas explicam (Rabi Chaim ben Attar para Or Hachaim sobre Devarim 29:17. Sefer Haguilgulim, Introdução 23) que quando nasce uma criança, uma espécie de espírito de profecia paira sobre os pais, dando a eles uma visão sobre qual nome deveriam dar ao filho. Isso ocorre porque um nome está intrinsecamente conectado com a essência da criança, e é um componente primordial de sua formação.

(Em particular, é por isso que muitos têm o costume de mudar ou adicionar um nome quando a pessoa está doente, geralmente um nome conectado com cura, ex., Baruch ou Bracha [abençoado], Chaim ou Chaya [vida].

Como um nome atrai a força Divina de vida, os nomes associados com cura e bênção são acrescentados na esperança de que irão atrair a energia Divina de cura e bênção.

Esta é a razão para as mudanças de nome de Abraham, Sarah e Joshua. Todos eles estavam a ponto de embarcar numa missão de vida inteiramente nova, para a qual eles precisavam de uma medida nova, diferente, de energia Divina. E assim, seus nomes anteriores eram insuficientes para possibilitar que cumprissem esta nova missão,e tiveram de ser alterados.

Abrão e Sarai

Abrão (ou Avram) é uma contração de duas palavras, av Aram, significando “pai de Aram”, e Sarai significa “minha princesa”. Avraham e Sarah tinham sempre dedicado a vida a inspirar outros a abandonar a idolatria e servir a D’us; apesar disso, foi tudo numa capacidade privada. Avram foi somente o “pai de Aram”, seu próprio local de nascimento, e Sarai era “minha princesa”, pessoal e particular.

D’us mudou seus nomes porque eles estavam sendo globais. Abram e Sarai estavam se tornando pai e mãe, o rei e a rainha de toda a humanidade, responsáveis e dedicados ao serviço de todos a D’us. Esta nova missão foi expressa quase imediatamente e tangivelmente após suas mudanças de nome com o nascimento de Isaac, o pai do povo judeu, que é chamado para ser”uma luz entre as nações” (Yeshayáhu 49:6).

E portanto o nome Abrão/Avram se tornou Avraham, uma contração das palavras “av hamon [goyim], significando “o pai de todas as nações” (Sobre como ele reteve o reish, e não mudou para “Avham”, veja Rashi sobre Bereshit 17:5), e o nome de Sarai tornou-se “Sarah”, que significa “a princesa”. Ao mudar seus nomes para refletir uma liderança mais ampla, D’us os imbuiu com energia Divina comensurável à sua nova missão de vida, universal.

Além disso, o Midrash relata (Veja Rashi sobre Bereshit 15:5, Midrash Rabá Bereshit 42:12) que quando D’us disse a Avraham que ele teria um filho com sua mulher Sarah, ele olhou para as estrelas e viu que ele e sua mulher não poderiam ter nenhum filho. D’us respondeu dizendo a Avraham que sim, Abrão não podia ter filhos, e sim, Sarai não podia dar à luz, porém Avraham e Sarah poderiam ter filhos.

Este Midrash também mostra como, quando o nome de uma pessoa muda, sua energia Divina de vida muda, e ela se torna virtualmente uma nova pessoa, com um destino e potencial diferentes.

Yoshua

Hoshea também exigia uma energia Divina diferente, mais poderosa para realizar sua missão. Ele era um dos 12 espiões enviados para fiscalizar a Terra de Israel em preparação para a conquista dos judeus. Moshê previu que os espiões poderiam reportar negativamente sobre a terra e desencorajar os judeus a prosseguir a sua jornada. Portanto ele mudou o nome de Hoshea para Yoshua, que é abreviação de “Kah yoshiacha,” D’us resgatou você [da trama dos espiões].” Com a letra yud acrescentada ao início de seu nome, Yoshua ficou imbuído com uma nova energia, que lhe deu a capacidade de enfrentar os outros espiões. É interessante notar que o yud, a letra removida do nome de Sarah, mais tarde foi “dada” a Yoshua.

Ia´aqov e Israel

Ia´aqov, também, teve seu nome mudado, para Israel. Porém, ao contrário dos três acima mencionados, Ia´aqov ainda era chamado pelo seu nome antigo. Embora Avraham ou Sarah não fossem mais citados pelos seus nomes antigos, a Torah continua a citar Ia´aqov como Ia´aqov, mesmo depois que seu nome foi mudado para Israel (Talmud Berachot 13a). A Torah alterna entre os dois nomes, às vezes chamando-o de Ia´aqov e às vezes de Israel.

Isso porque o nome de Ia´aqov foi mudado por um motivo ligeiramente diferente dos outros. E assim, mesmo após seu nome mudar, seu nome antigo continuava sendo uma parte de quem ele foi. Como o pai das 12 tribos, Ia´aqov continha dentro de si a nação judaica inteira. Portanto, seu serviço a D’us e condução do mundo são o protótipo para o serviço de todo judeu.

Ia´aqov e Israel representam dois métodos diferentes de navegar pelo mundo e o desafio que isso apresenta. Na busca para criar uma morada para D’us neste mundo, um judeu pode agir de duas maneiras: como Ia´aqov ou como Israel.

Primeiro vem a maneira de Ia´aqov. A palavra Ia´aqov vem de eikev, calcanhar”, e também da palavra para “engano”. Este nome refere-se ao serviço de um judeu quando é impedido pelo mundo. A essa altura, um judeu é como um calcanhar, na parte de baixo, tendo de enfrentar desafios e lutar ativamente contra eles. Para continuar conectado a D’us, este judeu deve “enganar” o mundo, por assim dizer. Ou seja, os conflitos e desafios apresentados pelo mundo físico nunca são totalmente superados, somente “enganados”, para que D’us possa ser servido mesmo em ocultação.

Então vem Israel. Israel vem da palavra sar, “oficial” (Rashi, Bereshit 35:10), e das palavras que D’us disse a Ia´aqov quando o renomeou: “ki sarisa”, “porque você lutou contra homens e anjos e triunfou” (Bereshit 32:29). Israel, portanto refere-se a um judeu que serve a D’us numa maneira que permite que a Divindade seja revelada para todos verem. Este judeu é um “oficial”, exaltado e erguido acima do mundo, sem pensar nas ocultações e nos desafios do mundo.

Ia´aqov começou com o nome Ia´aqov porque é assim que um judeu começa o serviço a D’us. Ele teve de “enganar” seu pai, seu irmão e Labão, porque ainda estava envolvido no mundo. Somente depois que ele triunfou sobre o anjo de Esaú e finalmente voltou para a Terra de Israel ele atingiu o status elevado de Israel. Apesar disso, o nome Ia´aqov continuou em uso, porque o método de Ia´aqov ainda é um componente necessário de todo judeu a serviço de D’us (Likutei Sichot, vol. 3, págs. 795-79).

Tradução: Mário Moreno.

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