A diferença entre Arrependimento e Justificação

Mário Moreno/ novembro 1, 2019/ Artigos

A diferença entre Arrependimento e Justificação

Quando uma nova tradução das Escrituras e lançada, podemos perceber sentimentos e emoções conflitantes. Alguns enaltecem a linguagem mais fácil e flexível, ou talvez a maior proximidade dos textos originais, outros fazem muito barulho, tentando evidenciar possíveis heresias que surgiram com aquela nova tradução.

Infelizmente, ao longo dos 2.000 anos de existência da igreja, pouco se evoluiu em matéria de apresentação de uma tradução que seja desengajada da cultura que foi dada a igreja pelo império romano. Com isso queremos dizer que as traduções sofrem a influência do Catolicismo romano e do pensamento ocidental advindo dos gregos e romanos. Queiramos ou não, a “interpretação tradicional” está sempre por trás das traduções.

Daí a importância de analisarmos o original.

O Novo à Luz do Anterior

O cerne da questão está na abordagem errônea que é dada à interpretação da palavra do Eterno e que, por maior estudo ou seriedade que se tenha, sempre culminará em traduções muito aquém do original. O motivo está em uma regra básica que o Cristianismo tradicional teima em não levar em consideração:

Toda nova escritura deve ser entendida através dos olhos de revelações anteriores.

Ou seja, é o novo que deve ser entendido à luz do antigo e não o inverso. Caso contrário, corremos o risco de cair em contradição. Afinal, o Espírito não é o autor de confusão. A forma tradicional de interpretar as escrituras, tendo como ponto de partida do chamado “Novo Testamento”, e partindo daí para olhar o “Antigo”, se faz também presente nas traduções da Bíblia.

Um Erro Fatal

Contudo, nenhum equívoco de tradução é mais grave do que a de Hebreus 7:27. O que a princípio parece ser apenas um pequeno erro dá margem para uma das maiores distorções naquela que é a mais fundamental de todas as questões de nossa fé: a salvação.

Eis o texto, de acordo com a Nova Versão Internacional:

“Ao contrário dos outros sumos sacerdotes, ele não tem necessidade de oferecer sacrifícios dia após dia, primeiro por seus próprios pecados e, depois, pelos pecados do povo. Ele se sacrificou pelos pecados deles quando a si mesmo se ofereceu.”

Ora, se voltamos à Torah, não vemos o Sumo Sacerdote oferecendo sacrifícios pelos seus próprios pecados dia após dia. Isto ocorria apenas no Iom Kippur. Ao pesquisar a origem da expressão “dia a dia” no hebraico, eis que encontro a expressão: iom iom – dia a dia.

De acordo com isso vemos que os sacrifícios obedecem a uma ordem e também naquilo que se relaciona às Festas o que leva a uma relação com a Festa de Iom Kipur.

Logo, a tradução correta seria:

“Ao contrário dos outros sumos sacerdotes, ele não tem necessidade de oferecer sacrifícios ao dia do [Iom Kippur] primeiro por seus próprios pecados e, depois, pelos pecados do povo. Ele se sacrificou pelos pecados deles quando a si mesmo se ofereceu.”

O Sacrifício do Messias: Que Tipo de Sacrifício?

Você deve estar se perguntando qual a relevância teológica disto. Ora, a revelação é muito interessante. Este versículo é usado como base da teologia cristã de que a morte do Messias substitui todo sacrifício que era feito de acordo com a Lei Mosaica.

Contudo, se analisamos a Torah, vemos que isso não faz o menor sentido, uma vez que há na Torah sacrifícios de naturezas muito diferentes (até mesmo de ação de graças). O sacrifício do Messias proporciona justificação perante o Eterno, conforme era feito no Iom Kippur. Mas será que substituiu o sacrifício que era feito diariamente? Caso não tenha substituído, por quê?

O Templo do Milênio

Encontramos a explicação na visão que o profeta Ezequiel teve do Templo do Milênio. Vale lembrar que se trata do Templo que estará em funcionamento durante os mil anos em que o Messias Ieshua reinará sobre a terra logo após sua segunda vinda.

Veja o que diz Ezequiel 45:17:

“Será dever do príncipe fornecer os holocaustos, as ofertas de cereal e as ofertas derramadas, nas festas, nas luas novas e nos sábados, em todas as festas fixas da nação de Israel. Ele fornecerá as ofertas pelo pecado, as ofertas de cereal, os holocaustos e as ofertas de comunhão para fazer propiciação em favor da nação de Israel.”

Observem que se continuarmos por todo o relato da visão do Templo do Milênio, não encontramos menção do sacrifício do Iom Kippur. Por quê? Porque o sacrifício permanente já foi feito na cruz, não havendo necessidade de ser repetido em qualquer ocasião.

Mas por que então os sacrifícios diários continuam no Templo do Milênio? A razão é simples, porém pode fazer toda a diferença com relação ao nosso destino final.

O Que é o Sacrifício Diário?

Na realidade, o sacrifício diário não tem por objetivo redimir ninguém do pecado [aliás, a melhor tradução do Hebraico neste caso nem é “propiciação”, mas sim “reconciliação”]. Caso contrário, seria uma redundância a existência do Iom Kippur. Para quê redimir duas vezes pelo mesmo pecado? O que nos ensina a Torah e a tradição judaica é que o sacrifício diário tinha por objetivo reconciliar o povo com o Eterno. Era um sacrifício de arrependimento.

Este sacrifício era como que um pedido de desculpas, mas não anulava o débito que a pessoa tinha com o Eterno em termos de descumprimento da Torah. Isto era feito posteriormente no Iom Kippur. Ou seja, o sacrifício diário era como se disséssemos ao Eterno que tínhamos “pisado na bola” (usando aqui uma expressão popular).

Mesmo nos tempos da Torah, a salvação sempre foi pela fé na graça do Eterno. Isso fica muito evidente quando o Eterno mata um animal para “cobrir” Adam e Chava após terem pecado. A instituição dos sacrifícios também aponta para a graça redentora do Eterno. Porém, fica bastante claro que, embora o sacrifício permanente do próprio Eterno seja atemporal, ainda há a necessidade de nos arrependermos.

O Sacrifício Diário e a Congregação do Messias

Mas qual a relevância disto para nós?

Eu diria que há total relevância. Infelizmente, nos tempos atuais, vemos uma versão “light” das boas novas sendo pregadas em diversos (supostos) púlpitos ao redor do mundo. Basta reconhecer que Ieshua é o seu salvador que pronto, num passe de mágica, você se torna um feliz ganhador da loteria divina que está distribuindo passes para a vida eterna. Agora você está habilitado a ter tudo o que necessita e poderá alcançar qualquer dádiva aqui neste mundo; é só pedir e receber!

Se o modelo de sacrifícios da Torah foi construído para ensinar o caminho da vida eterna, fica claro que não basta simplesmente reconhecer que Ieshua salva. É necessário arrependimento. Profundo. É preciso reconhecer a gravidade do pecado e buscar o perdão com lágrimas. Assim como no Iom Kippur os pecados eram expiados após a pessoa ter se reconciliado com o Eterno, nós também devemos buscar a reconciliação com Ele. Com a fórmula atual fica implícito que muitas pessoas desejam apenas “fugir do inferno”, sem buscar tal reconciliação. Isso torna ineficaz o sacrifício de Ieshua por nós.

Não estou dizendo com isto que se não confessarmos todos os nossos pecados então iremos para o inferno. Mais uma vez busquemos o modelo da Torah: dentre os sacrifícios diários, havia aqueles que eram feitos para expiação de pecados cometidos em ignorância. Isto nos mostra que o arrependimento não é por atos isolados, mas sim por nosso estado pecaminoso. Os pecados isolados têm uma influência sim em nossa vida, mas o que compromete mesmo nossa caminhada são os pecados que exigem uma libertação, ou seja, aqueles que são cometidos frequentemente e que muitos chegam a dizer que são “pecados de estimação” dada a dificuldade que se tem em abandoná-los.

Portanto podemos afirmar que existe uma diferença crucial entre aquele que foi salvo e luta com a própria carne para parar de cometer determinados pecados (e que volta e meia acaba caindo) e aquele que simplesmente se acha no direito de continuar pecando, quer por achar que no fim “o Eterno perdoa mesmo” ou quer por tentar enganar a si mesmo repetindo que “aquilo não é pecado” (como se a repetição por si tivesse o poder de mudar o que foi dito na palavra).

O Mundo vindouro é para quem então?

É por isso que o Sha’ul nos alerta em I Co 6:9-10: “Não sabeis que os injustos não hão de herdar o poder soberano de Elohim? Não erreis: nem os fornicadores, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o poder soberano de Elohim” para o fato de que muitos pecadores não herdarão o Mundo vindouro. Não são pessoas que estão lutando e, por ainda serem fracos na fé, acabam caindo. São pessoas que ainda estão caminhando em rebeldia contra o Eterno.

Estas pessoas que acham que podem ser seguidores do Messias e ainda agirem da forma antiga e frequentarem cartomantes, terem relações homossexuais, serem devotos de “Nossa Senhora”, serem “espertos” em seus negócios, entre outros. Tudo está bem para eles, afinal, consideram-se salvos pelo sangue do Messias.

Infelizmente, os bancos das igrejas (principalmente daquelas que insistem em não oferecer estudo sólido da palavra) estão lotados de pessoas assim. Irmãos, não é à toa que João Batista veio antes do Messias pregando o arrependimento!

Para quê ele teria vindo com tal mensagem se pudéssemos nos achegar ao Altíssimo sem nos arrependermos por sermos pecadores?

Espero realmente que com este artigo o Eterno nos abra os olhos para entendermos de que o sacrifício de Ieshua não é simplesmente um ticket para a “Disneylândia espiritual” como é pregado por muitos falsos profetas. O sagrado e eterno sacrifício do Cordeiro é um ato de reconciliação com o Eterno que exige da nossa parte que reconheçamos nosso status de pecadores e aceitemos sua graça incomensurável.

Adaptação: Mário Moreno.

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