As sete espécies

Mário Moreno/ setembro 21, 2018/ Sucot

As sete espécies

As sete espécies estão relacionadas às Festas Bíblicas, principalmente Shavuot e Sucot onde recebem destaque pleno. As Escrituras nos mostram quais são elas:

Pois o IHVH teu Elohim está te levando a uma boa terra: … Uma terra de trigo, cevada, uvas, figos e romãs: uma terra de oliveiras que emana azeite e [tâmara] mel” (Devarim 8:8).

Nossos sábios nos contam que, originalmente, todas as árvores tinham frutos, como também será o caso na Era de Mashiach. Uma árvore sem frutos é sintoma de um mundo imperfeito, pois a principal função de uma árvore é produzir frutos.

Os componentes principais da árvore são: as raízes, que ancoram-na ao solo e a abastecem com água e outros nutrientes; o tronco, galhos e folhas que formam seu corpo; e o fruto, que contém as sementes com as quais a árvore se reproduz.

A vida espiritual do homem também inclui raízes, um corpo, e frutos. As raízes representam a fé, nossa fonte de sustento e perseverança. O tronco, ramos e folhas são o “corpo” de nossa vida espiritual – nossas conquistas intelectuais, emocionais e práticas. O fruto é nosso poder de procriação espiritual – o poder de influenciar os outros, de plantar uma semente em um ser humano, nosso próximo, e vê-la brotar, crescer e dar frutos.

Ieshua disse: “Por seus frutos os conhecereis. Porventura, colhem-se uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos? Assim, toda a árvore boa produz bons frutos, e toda a árvore corrupta produz frutos maus” Mt 7.16-17.

Se “o homem é uma árvore do campo” e o fruto é a maior realização da árvore, há sete frutos que coroam a colheita humana e botânica. Estes são os sete frutos e grãos destacados pela Torah como exemplares da fertilidade da Terra Santa: trigo, cevada, uvas, figos, romãs, azeitonas e tâmaras.

O 15º dia do mês hebraico de Shevat é o dia designado pelo calendário judaico como o “Ano Novo das Árvores.” Neste dia, celebramos as árvores do mundo de D’us, e a árvore dentro de nós, partilhando destes sete “frutos,” que exemplificam os vários componentes e modos de vida humana.

Comida e forragem

Os mestres cabalistas nos dizem que cada um de nós tem não uma, mas duas almas: uma “alma animalesca,” que incorpora nossos instintos naturais, egoístas: e uma “alma Divina” incorporando nossos desejos transcendentais – nosso desejo de escapar do “Eu” e relacionar-se com aquilo que é maior que nós mesmos.

Como o nome sugere, a alma animalesca constitui aquela parte de nós mesmos que é comum a todas as criaturas vivas: o instinto de auto conservação e perpetuação da própria espécie. Porém o homem é mais que um animal sofisticado. Existem qualidades que são exclusivamente nossas, como seres humanos – as qualidades que derivam de nossa “alma Divina.” O ponto no qual nós nos graduamos além do “eu” e suas necessidades (“Como faço para sobreviver?” “Como obter alimento, abrigo, dinheiro, poder, conhecimento, satisfação?”) a uma perspectiva supra-“eu” (“Por que estou aqui?” “Qual é meu objetivo?”) é o ponto no qual deixamos de ser apenas outro animal no mundo de D’us, e começamos a perceber nossa singularidade como seres humanos.

Isso não é dizer que o “eu” animal deve ser rejeitado em favor do “eu humano-Divino”. Estas são nossas duas almas, ambas indispensáveis a uma vida de realização e propósito. Mesmo quando estimulamos o Divino dentro de nós para nos elevar acima do meramente animal, devemos também desenvolver e refinar nosso “eu” animal, aprendendo a cultivar os aspectos construtivos do próprio “eu”: (ex. autoconfiança, coragem, perseverança) enquanto eliminamos o egoísta e o profano.

Na Brit Hadasha esta “alma animal” é chamada de “homem natural” por Sha´ul: “Ora, o homem natural não compreende as coisas do espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. Mas o que é espiritual discerne bem todas as cousas, e ele de ninguém é discernido” I Co 2.14-15.

Agora, quando falamos sobre as sete espécies produzidas na terra de Canaã, temos o seguinte: na Torah, o trigo é considerado o esteio da dieta humana, ao passo que a cevada (D¡X«R¥\) é mencionada como um alimento tipicamente animal (cf. Tehilim 104:5 e I Melachim, 5:8. Veja também o Talmud, Sotah 14a). Assim, o “trigo” representa o esforço para nutrir o que há de distintamente humano em nós, alimentar as Divinas aspirações que são a essência de nossa humanidade. A “cevada” representa o esforço para nutrir e desenvolver nossa alma animalesca – uma tarefa não menos crucial para nossa missão na vida que o cultivo de nossa alma Divina.

O trigo representa também os “justos” que serão “colhidos” assim como o trigo é colhido na época certa. “Ele tem a pá na sua mão, e limpará a sua eira, e ajuntará o trigo no seu celeiro, mas queimará a palha com fogo que nunca se apaga” Lc 3.17.

Empolgação

Trigo e cevada, os dois grãos dentre as Sete Espécies, representam a “matéria-prima” de nossa composição interior. Depois destes vêm os cinco frutos – “aperitivos” e “sobremesas” em nosso cardápio espiritual – que adiciona sabor e estímulo ao nosso esforço básico de desenvolver nossas almas, a animalesca e a Divina.

O primeiro desses é a uva, cuja característica principal é a alegria. Como a videira descreve seu produto na Parábola de Yotam (Shofetim 9:13), “… meu vinho, que faz felizes D’us e os homens.”

A alegria é revelação. Uma pessoa influenciada pelo júbilo tem os mesmos traços básicos que possui em um estado não-jubiloso – o mesmo conhecimento e inteligência, os mesmos amores, ódios e desejos. Mas em um estado de felicidade, tudo é mais pronunciado: a mente é mais arguta, o amor mais profundo, os ódios mais vívidos, os desejos mais agressivos. As emoções que normalmente mostram apenas uma pálida imagem de sua verdadeira extensão, agora tornam-se mais ostensivas. Nas palavras do Talmud, “Quando entra o vinho, o oculto se revela.”

Uma vida sem alegria poderia estar completa de todas as maneiras, porém é uma vida superficial; tudo está ali, mas apenas a superfície nua é mostrada. Tanto a alma animalesca quanto a Divina contêm vastos reservatórios de percepção e sentimento que jamais veem a luz do dia porque não há nada para estimulá-los. A “uva” representa o elemento de júbilo em nossa vida – a alegria que desencadeia estes potenciais e adiciona profundidade, cor e intensidade a tudo que fazemos.

Envolvimento

Podemos estar fazendo algo total e completamente; podemos mesmo estar fazendo isso alegremente. Mas estamos ali? Estamos envolvidos?

Envolvimento significa mais que fazer alguma coisa certa, mais que dar tudo de nós. Significa que nos importamos, que estamos investidos na tarefa. Significa que somos afetados por aquilo que fazemos, para o melhor e para o pior.

O figo, a quarta das “Sete Espécies,” é também o fruto da “Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal” – o fruto que Adão e Eva provaram, cometendo assim o primeiro pecado da história. Como explica o ensinamento chassídico, “conhecimento” (daat) implica um envolvimento íntimo com a coisa conhecida (como no versículo “E Adão conheceu sua mulher“). O pecado de Adão derivou de sua recusa em reconciliar-se com a noção de que há certas coisas das quais ele deveria se distanciar; ele desejava conhecer intimamente cada canto do mundo de D’us, tornar-se envolvido com cada uma das criações de D’us. Mesmo o mal, mesmo aquilo que D’us tinha declarado fora do alcance dele. O figo de Adão foi uma das forças mais destrutivas da história. Em seu igualmente poderoso disfarce construtivo, o figo representa nossa capacidade para um envolvimento profundo e íntimo em nosso próprio esforço positivo – um envolvimento que significa que somos um com aquilo que estamos fazendo.

Ação

Seus lábios são como um fio de escarlate” exaltou Salomão em sua celebração do amor entre o Noivo Divino e Sua noiva Israel: “Sua boca é graciosa: sua têmpora é como um pedaço de romã em seus cachos” (Shir HaShirim, Cântico dos Cânticos 4:3). Conforme interpretada pelo Talmud, a alegoria da romã expressa a verdade que: “Mesmo os vazios dentre vocês estão repletos de boas ações, como uma romã [está repleta de sementes].”

A romã é não somente um modelo para algo que contém muitos detalhes. Fala também do paradoxo de como um indivíduo pode ser “vazio” e, ao mesmo tempo, estar “repleto de boas ações como uma romã.” A romã é uma fruta altamente dividida em compartimentos: cada uma de suas centenas de sementes está envolvida em seu próprio saco de polpa, e separada de suas iguais por uma membrana rija. Da mesma maneira, é possível para uma pessoa fazer boas ações: muitas boas ações – mesmo assim elas permanecem como atos isolados, com pouco ou nenhum efeito sobre sua natureza e caráter. Ela pode possuir muitas virtudes, mas elas não se tornam ela; ela pode estar repleta de boas ações, mesmo assim permanece moral e espiritualmente superficial. Se o figo representa nossa capacidade para envolvimento total e identificação com aquilo que estamos fazendo, a romã é a antítese do figo, representando nossa capacidade de superar a nós mesmos e agir de maneira a ultrapassar nosso estado espiritual interno. É nossa capacidade de fazer e conseguir coisas que são totalmente incompatíveis com quem e o quê somos no momento atual. A romã é a “hipocrisia” em sua forma mais nobre: a recusa de se reconciliar com a estação moral e espiritual de alguém, conforme definido pelo estado atual do caráter da pessoa; a insistência em agir melhor e mais Divinamente que aquilo que somos.

Luta

Para a maioria de nós, “vida” é sinônimo de “luta.” Lutamos para forjar uma identidade sob a sombra pesada da influência de nossos pais e amigos; lutamos para encontrar um parceiro para a vida, e depois lutamos para preservar nosso casamento; lutamos para criar nossos filhos, e depois lutamos em nosso relacionamento com eles quando adultos; lutamos para ganhar o sustento, e depois lutamos com nossa culpa pela boa sorte que tivemos; e subjacente a isso tudo, está o eterno conflito entre nosso “eu” animalesco e Divino, entre os instintos egoístas e nossas aspirações para transcender o “eu” e tocar o Divino. A “oliveira” em nós é aquela parte que se esforça na luta, que se revela, que não escaparia mais dela que da própria vida. “Bem como uma azeitona,” dizem nossos sábios, “que fornece seu azeite quando prensada,” assim, também, nós cedemos o que há de melhor dentro de nós quando pressionados pelos moinhos da vida e as forças opostas de um “eu” dividido.

Perfeição

Como o “figo” é contrabalançado pela “romã,” assim também a “azeitona” em nós contrasta com nosso sétimo fruto, a tâmara, que representa nossa capacidade para a paz, a tranquilidade e a perfeição. Embora seja verdade que somos melhores quando pressionados, é igualmente verdade que há potenciais em nossa alma que brotam apenas quando estamos completamente em paz conosco – somente quando conseguimos um equilíbrio e harmonia entre os diversos componentes de nossa alma.

Assim canta o Salmista: “O tsadic (pessoa completamente justa) vicejará como a tamareira” (Salmos 92:13). O Zohar explica que há uma determinada espécie de tamareira que demora setenta anos para frutificar. O caráter humano é composto de sete atributos básicos, cada um consistindo de dez sub-categorias; assim, o florescer do tsadic “após 70 anos” é o fruto da absoluta tranquilidade – o produto de uma alma cujos aspectos e nuances de caráter foram refinados e harmonizados consigo mesmo, com o próximo e com D’us.

Embora a azeitona e a tâmara descrevam duas personalidades espirituais muito diferentes, ambas existem dentro de cada homem. Pois mesmo em meio a nossas lutas mais ardentes, sempre podemos encontrar conforto e fortaleza na tranquila perfeição que habita o íntimo de nossa alma. E mesmo em nossos momentos mais tranquilos, sempre podemos encontrar o desafio que nos levará a realizações ainda maiores.

Adaptação: Mário Moreno.

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