Bênçãos e maldições
Bênçãos e Maldições
Bênçãos no Lugar de Maldições
Todos nós ouvimos a história – relatada na leitura da Torah desta semana – de como o Rei Balaq encarregou Bil´am de amaldiçoar os Filhos de Israel, e de como D’us transformou as maldições da boca do profeta em bênçãos. Lemos os versos saindo dos lábios de Bil´am, o que inclui adjetivos primorosos jamais ditos sobre o povo judeu. Linda história. Mas o Talmud pergunta: O que Bil´am queria dizer? Quais eram as suas maldições que foram transformadas em bênçãos?
Bem, sigamos a lógica do Talmud. Se as maldições foram transformadas em bênçãos, então deveriam ser diametralmente opostas às bênçãos. Se quisermos saber o que Bil´am queria dizer, devemos examinar mais detidamente as palavras que ele realmente proferiu.
Qual foi a bênção proferida por Bil´am?
Que grandes reis surgirão em Israel, estabelecendo uma dinastia que durará por gerações e jamais será quebrada; que Israel será soberana na sua terra para sempre, a maior e mais poderosa na família das nações, a Presença Divina habitando em seu meio, liderando a humanidade em sua busca para conhecer e servir a seu Criador.
Então, o que Bil´am queria dizer de fato?
Exatamente o contrário, obviamente: que os reis de Israel cairiam, sua dinastia real seria interrompida, sua soberania teria um fim, a Presença Divina em seu Templo Sagrado partiria, seu poder terminaria, sua liderança empalideceria.
Mas o Talmud não deixa isso assim. Enfatizando este ponto, insiste: então o que aconteceu no final? O Talmud relata que, todos os dias, há um momento em que D’us fica irado. Isto significa que é justamente nesta hora que Ele julga os pecadores. Evidentemente, aquele que é culpado de transgressão, fica mais vulnerável nesta hora. Bil´am tinha o dom de saber exatamente quando ocorriam estes momentos. Uma maldição proferida nestes instantes poderia expor sua vítima ao julgamento Divino. Mas durante todos aqueles dias em que Bil´am tentou maldizer os judeus, D’us conteve sua ira agindo com muita bondade com o povo judeu.
A Torah não diz “vayicrá” – D’us chamou Bil´am. A Torah emprega a palavra “vayicar”, significa que D’us “encontrou por casualidade” com Bil´am. Também significa que D’us ficou aborrecido por ter de falar com alguém tão impuro como Bil´am.
D’us perguntou a Bil´am: “Perverso, o que você está fazendo aqui?”
“Preparei sete altares com sacrifícios,” replicou Bil´am, “como presentes a Ti.”
Bil´am esperava o favorecimento de D’us subornando-O com sacrifícios.
D’us respondeu: “Prefiro uma colher cheia de farinha oferecida pelos judeus, descendentes de Meu amado Avraham, aos suntuosos sacrifícios daqueles que Eu odeio. Não quero as oferendas de um perverso. Volte para o rei Balaq e fale com ele.”
Bil´am implorou a D’us para que o deixasse amaldiçoar o povo judeu; mas enquanto no seu íntimo formulara uma maldição, D’us enrolou sua língua, forçando-o a pronunciar o oposto do que pensava. Foi como se D’us tivesse posto um freio em sua boca, obrigando-o a dizer apenas o que D’us queria que ele dissesse. Bil´am já não podia escolher suas próprias palavras. Balaq furioso dirige-se a Bil´am: “O que você fez comigo?” – censurou-o. “Eu lhe convoquei para amaldiçoar meus inimigos, e você os abençoa!”
“Não posso fazer nada a esse respeito,” replicou Bil´am, “pois sou forçado a falar o que D’us coloca em minha boca”.
Em uma nova tentativa, Bil´am tenta apelar para seus poderes tentando expor os pecados do povo judeu. Virou sua face em direção ao deserto a fim de lembrar D’us do pecado do bezerro de ouro. Não obstante, ao erguer os olhos, percebeu que a Shechiná pairava sobre as tendas dos israelitas. Soube então que D’us perdoara seu pecado. Bil´am desejava lançar um mau olhado sobre os judeus, porém foi forçado a afirmar que esta nação era tão sagrada que seu mau olhado não tinha poder contra eles.
Em honra ao povo judeu, o espírito de profecia penetrou Bil´am. D’us forçou-o a pronunciar novas bênçãos.
“[Os judeus são] como os riachos que fluem, como jardins às margens do rio, tão fragrantes quanto os aloés que o Eterno plantou, como as árvores de cedro à beira da água.”
Bil´am descreveu poeticamente a grandeza dos judeus, um povo que estuda Torah e cumpre as mitsvot. Os judeus que entram nas Casas de Estudos são comparados aos riachos dos quais a água (Torah) flui, e às plantas nas margens do rio, uma vez que o estudo da Torah purifica como a água. São comparados às belas e fragrantes plantas que produzem frutos, como as que D’us plantou originalmente no Paraíso. Seu estudo eleva-os, do mesmo modo que as árvores de cedro são muito mais altas que outras árvores.
“Os que te abençoarem serão abençoados, e os que te amaldiçoarem serão amaldiçoados.”
Balaq dirige-se furioso a Bil´am após ouvir somente bênçãos, em uma delas enaltecendo as tendas de Israel. “Você já abençoou meus inimigos três vezes,” vituperou. “Vejo que o Eterno não quer que você seja honrado.” Bil´am respondeu: “Mesmo se me der todo seu dinheiro, devo abençoar os judeus, pois D’us colocou essas bênçãos na minha boca.”
Balaq convidara Bil´am para amaldiçoar os judeus, pois acreditava que estes estavam sujeitos às forças naturais (mazal), como todas as outras nações. Balaq era instruído em assuntos práticos; por exemplo, podia determinar exatamente onde alguém deveria postar-se para amaldiçoar enquanto Bil´am possuía as chaves interiores, as palavras apropriadas para amaldiçoar. De fato, a perícia de um completava a do outro. Podem ser comparados a um cirurgião e um anatomista, Bil´am, podia manejar o bisturi, mas não estava familiarizado com as partes do corpo. O outro (Balaq) era como um anatomista que consegue identificar o órgão doente, porém não pode realizar a cirurgia. No entanto, juntos poderiam empreender uma operação. Bil´am sabia a hora exata em que uma maldição pode ser efetiva, e Balaq sabia o local de onde deveria ser pronunciada. No entanto, nenhuma destas habilidades, mesmo associadas surtiu qualquer efeito, pois o povo judeu está acima de magia e maldições. Ditas pela boca de Bil´am: “Como posso amaldiçoar um povo cujo D’us está constantemente em seu meio, e os guarda e protege? ‘O Guardião de Israel não dorme nem dormita’”.
Ao terminar de abençoar o povo judeu repetidamente, Bil´am terminou essas profundas declarações proféticas levantando-se, pois estava deitado, prostrado, enquanto D’us comunicava-se com ele. O espírito de D’us que imbuiu-Se nele em honra aos judeus partia dele para sempre. Passou o resto de sua vida como um mágico comum.
Este texto nos mostra algo que por vezes passa desapercebido em nosso cotidiano: o Eterno está no controle de cada situação de nossas vidas! Isso pode parecer um jargão, mas não é!
O conflito espiritual
Quando lemos este texto cuidadosamente encontramos nele elementos que nos impressionam muito, pois notamos que existe um conflito aberto entre duas forças espirituais que lutam entre si para poderem estabelecer na terra o domínio sobre o homem. O maligno tenta de todas as formas “ganhar terreno” e usa como recurso o pecado que é a “arma de guerra” que permitiu que o caos fosse inserido na história humana, quebrando a ordem estabelecida pelo Criador.
Seguido esta mesma linha de raciocínio vemos que o maligno ainda usa como “recurso” a mesma metodologia adotada pelo Criador: ele usa as palavras, que são veículos de transformação na Criação e segundo a tradição judaica o homem continua sendo parceiro do Eterno “criando” através das palavras…
O maligno – através de Bil´am – tentou subjugar Israel com palavras, pois eles sabiam que havia santidade me meio ao povo, e a santidade não permite que o pecado atue na vida do homem, desqualificando-o. Por isso a tentativa do maligno foi de inserir palavras que pudessem desviar o povo de Israel de sua postura de santidade e com isso abrirem “brechas” para que o maligno pudesse agir.
Mas, ao tentar proferir palavras que pudessem influenciar o povo de Israel, Bil´am é surpreendido com uma mudança radical em sua postura, pois ele imagina dizer algo, mas de seus lábios sai justamente o contrário! É impressionante que ele não tem nem mesmo o controle das palavras que seriam ditas, pois a intenção de suas palavras seria completamente maligna e o objetivo final seria prejudicar o povo de Israel.
Quando perguntamos: “Mas, por que o Eterno não permitiu que ele proferisse maldições contra o povo?” A resposta é: Não havia motivo para que isso acontecesse; a razão era que o Balaq desejava derrotar o povo de Israel e não conseguia!
Quando o maligno se levanta para derrotar o povo do Eterno com quaisquer armas desleais, então o Eterno intervém, mudando a maldição pela bênção! Isso acontece para aqueles que estão andando em obediência à Palavra do Eterno!
Certamente estamos vivendo esta situação hoje e em muitas ocasiões recebemos livramentos do Eterno sendo “abençoados” ao invés de seremos “amaldiçoados”. Um dia o Eterno nos dará a conhecer como o Seu cuidado por nós foi imenso e como Ele mesmo se encarregou de mudar nossa sorte inúmeras vezes!
Baruch há Shem!
Mário Moreno (adaptado).