Franjas, caracóis, autoridade

Mário Moreno/ dezembro 27, 2017/ Artigos

Franjas, caracóis, autoridade…

FRANJAS

Em Mateus 9:20-22 encontramos uma história curiosa de uma mulher com fluxo de sangue que recebeu uma cura, tocando simplesmente às roupas de Ieshua.

Certa mulher, que há doze anos padecia de um fluxo de sangue, chegou por detrás dele e tocou a orla do seu manto. Ela dizia consigo: “Se eu tão somente tocar o seu manto, ficarei sã”. Ieshua, voltando-se e vendo-a, disse: Tem bom ânimo filha, a tua fé te salvou”. E desde aquele momento a mulher ficou sã”.

Em Marcos temos a continuação dessa história…

Ieshua, conhecendo que de si mesmo saíra poder voltou-se na multidão, e perguntou: “Quem tocou nas minhas vestes?” Respondeu-lhes os discípulos: “Vês que a multidão te aperta e dizes: Quem me tocou? (Mc 5:30-31).

Numa outra passagem, Ieshua chega à cidade de Genesaré à beira do Mar da Galiléia. Os homens da cidade reconheceram Ieshua e: “Correndo toda a terra em redor começaram a trazer os enfermos em leitos ao lugar onde ouviam que Ele estava. Onde quer que Ele entrava, em cidades, aldeias ou campos, colocavam os enfermos nas praças. Rogavam-lhe que ao menos os deixasse tocar na orla da sua veste, e todos os que a tocavam saravam-se” (Mc 6:53-56).

Qual é a significância da orla das vestes de Ieshua? Na primeira leitura parece uma prática fora do comum. Porém, assim que entendemos a significância da “orla” das vestes de alguém, estas passagens têm muito mais sentido.

Quando traduzimos a palavra “orla” aprendemos que se refere às FRANJAS (chamado Tzitziot em hebraico), que ficam obrigatoriamente nos quatro cantos das vestes de todo homem judeu, de acordo com as instruções de D-us:

“Disse o IHVH a Moisés: “Fala aos filhos de Israel e dize-lhes que, por todas as suas gerações, façam franjas nas bordas das vestes, e ponham nas bordas das vestes um cordão azul. Tereis essas franjas para que, vendo-as, vos lembreis de todos os mandamentos do IHVH, para os cumprirdes, e não correrdes após o vosso coração, nem após os vossos olhos, após os quais andais adulterando. Então vos lembrareis de cumprir todos os meus mandamentos, e sereis consagrados ao vosso Elohim. Eu sou o IHVH vosso Elohim...” (Nm 15:37-41a).

Estas franjas serviam para trazer à memória a todo homem judeu da sua responsabilidade de cumprir os mandamentos de D-us. Porque elas estavam penduradas nas quatro bordas de suas vestes, em plena vista de todos, inclusive de si mesmo, seriam uma lembrança constante. Até hoje, podemos ver estas franjas penduradas no lado de fora, sobre os cintos dos homens judeus religiosos. Eles vestem uma camiseta com quatro cantos e puxam as franjas para o lado de fora. Estas franjas também estão amarradas em 613 nós para que se lembrassem constantemente das 613 leis de Moisés, das quais 248 são proibições e 365 são afirmações.

CARACÓIS

Porém, há mais ainda atrás da mensagem destas franjas.

Milhares de Caracóis “Murex” como estes foram encontrados na escavação no Tel Mor perto do porto Ashdod em Israel.

Cada franja tinha que ter um fio azul. Como a cor azul sendo tão predominante hoje, é difícil de imaginar que durante o inteiro período bíblico, o azul era provavelmente a cor mais cara para se produzir. Por isso, foi reservada para a família real e só os ricos tinham os recursos para comprá-la.

Antes dos tingentes sintéticos, a única fonte da cor azul era uma glândula pequena no caracol murex. Precisava-se de 12.000 caracóis para se ter mais ou menos 3ml desta tinta azul. Em 200 A.C., meio quilo de tecido tingido de azul custava equivalentemente a US$36.000. Até 300 D.C., este mesmo meio quilo de tecido custava US$96.000. Isto indica que Lídia, a vendedora de púrpura que cedo se convertera ao cristianismo, era uma das mulheres mais ricas do Império (Atos 16:14).

O azul também representa os céus e algo divino, por essa razão o azul real separava as pessoas do resto do mundo comum. Assim, ter um fio azul era Ter algo do divino e real, e servia para lembrar a cada um que o vestia de seu próprio valor aos olhos de D-us.

Esse fio precioso provavelmente era passado de pai para filho, como uma de suas preciosas heranças. A faixa azul no manto de oração dos homens judeus tem o mesmo significado, e interessante, este símbolo está representado na faixa azul da bandeira de Israel.

AUTORIDADE

Estas franjas também estão associadas com a autoridade de uma pessoa.

No caso do Rei Saul, descobrimos que Davi o humilhou por ter chegado perto dele na caverna no deserto de En-Gedi pois cortara as franjas do manto de Saul, o símbolo de sua autoridade.

Então os homens de Davi lhe disseram: “Este é o dia do qual o IHVH te disse. Hoje te dou o teu inimigo nas tuas mãos, e farlhe-ás como parecer bem aos teus olhos…” Depois doeu o coração de Davi, por ter cortado a orla do manto de Saul. Disse ele aos seus homens: “O IHVH me guarde de que eu faça tal coisa ao meu senhor, ao ungido do IHVH, que eu estenda minha mão contra ele; pois é o ungido do IHVH” (I Sm 24)

Obs.: No hebraico “orla” é “franjas”.

Por que Davi estava chateado consigo mesmo? Porque ele entendeu que roubar as franjas de alguém era o mesmo que roubar sua autoridade. Ainda que Davi provara a Saul que não estava tentando matá-lo, a simbolização de tirar as suas franjas foi uma humilhação para Saul. E isso incomodou a Davi.

Davi imediatamente saiu da caverna e se prostrou em humildade diante de Saul para provar a ele que não estava tentando matá-lo. Davi disse:

O rei meu senhor! Por que dás ouvidos as palavras dos homens que dizem: Davi procura fazer-te mal? Este dia os teus olhos viram que o Senhor te pôs em minhas mãos nesta caverna. Alguns disseram que eu te matasse, porém a minha mão te poupou; eu disse: não estenderei a mão contra o meu senhor, porque é o ungido do IHVH. Olha, meu pai, vê aqui a orla do teu manto na minha mão! Eu cortei a orla do teu manto, mas não te matei. Considera e vê que não há na minha mão nem mal nem rebeldia alguma, e que não pequei contra ti, ainda que andes a caça da minha vida, para me tirares…” (I Sm 24:8-11).

Todo mundo, inclusive Saul, sabia que Davi tinha sido ungido por Samuel para que fosse o próximo rei. Por isso, Saul temia Davi. Em En-Gedi, Davi tinha literalmente tomado a autoridade de Saul e neste ponto, ele também poderia Ter tomado o trono de Saul. Mas, ele não fez. Ao invés disso, deixou que D-us escolhesse o tempo certo para que ele recebesse o trono. Este ato convenceu a Saul de que Davi estava falando a verdade.

O ato de Davi de devolver a autoridade de Saul também reconciliou os dois homens. Saul disse:

O IHVH te pague com bem, pelo que hoje me fizeste. Eu sei que certamente hás de reinar, e que o reino de Israel há de ser firma nas tuas mãos” (I Sm 24:19b-20).

Um outro exemplo de autoridade representado nas franjas pode ser encontrado numa passagem do livro de Rute, que pode ser difícil de entender. No capítulo três, Rute foi a Boaz para receber sua bênção que lhe ajudaria sair de uma situação difícil. Ela foi à eira e dormiu aos seus pés, e versos 8-9 nos dizem:

No meio da noite o homem acordou de repente, voltou-se e viu uma mulher deitada a seus pés. Perguntou ele: “Quem és tu?” Disse ela: “Sou Rute, tua serva. Estende a tua capa sobre a tua serva, porque tu és o remidor”.

Imediatamente ele entendeu e disse a ela: “E agora, minha filha, não temas. Tudo o que pedires eu te farei. Toda a cidade do meu povo sabe que és mulher virtuosa” (v. 11). Ele preparou tudo para ajudá-la, e eventualmente casou-se com ela.

O que Rute fez quando pediu a Boaz para estender sua capa sobre ela foi a sua maneira simbólica de lhe dizer que estava se colocando debaixo de sua autoridade.

Vamos voltar para a história do povo da Galiléia, querendo tocar na orla das vestes de Ieshua. O povo não era curado simplesmente por encostar contra Ieshua numa multidão. Eles foram curados quando sua fé tocou a “orla” ou franjas de Suas vestes, o que representava sua autoridade (Mc 5:31). A fé deles e o poder de Ieshua curaram suas enfermidades.

HUMILDADE

No período do segundo tempo (70 A.C. – 135 D.C.), as franjas se tornaram um símbolo de “status”. Quanto mais rico alguém era, mais grandiosa a franja aparentava. Durante o tempo de Ieshua, as franjas de alguns dos fariseus eram tão longas e elaboradas, que elas se arrastavam no chão. Foi esta demonstração ostensiva de orgulho que Ieshua estava repreendendo, quando disse:

Tudo o que fazem é a fim de serem vistos pelos homens. Alongam as franjas das suas vestes” (Mt 23:5).

(Por falar nos fariseus, é importante reconhecer que nem todos os fariseus eram hipócritas. Nicodemos era um fariseu (João 3:1). Eles eram os líderes religiosos conservadores de seu tempo. De fato, deles, Ieshua disse:

(Eles) estão assentados na cadeira de Moshe. Portanto observai e fazei tudo o que vos disserem. Mas não procedais de conformidade com as suas obras, pois dizem e não fazem” (Mt 23:2-3).

Assim como em nosso tempo, alguns líderes religiosos eram bons e temiam a D-us; outros eram manipuladores. Por causa das referências sobre alguns que eram hipócritas, hoje muitos cristãos pensam erroneamente que todos os fariseus eram hipócritas. Teologicamente Ieshua estava mais próximo dos fariseus do que dos saduceus).

A lição para todos nós desta passagem é que é mais importante cumprir os mandamentos por uma convicção interior em humildade, do que simplesmente vesti-lo pelo lado de fora, com práticas religiosas excessivas. D-us olha para o coração, enquanto o homem muitas vezes olha para o que está diante dos olhos (I Sm 16:7).

APLICAÇÕES

Considerando estas histórias bíblicas, qual é a mensagem para nós?

Em primeiro lugar, entendemos melhor agora algumas passagens da Escritura que nos pareciam obscuras simplesmente porque não entendíamos e nem conhecíamos o contexto no hebraico como o símbolo dos “cantos” ou “orla” de suas vestes.

Em segundo lugar, nas histórias da Brit Hadasha, podemos ver que uma fé ativa libera o poder milagroso de D-us.

Nas situações difíceis na vida, D-us nos pede para demonstrar nossa fé de formas diferentes. Na Bíblia podemos constatar exemplos que podem nos parecer como estranhos pedidos de D-us ao Seu povo como prova de fé. Porém, quando obedecidos geraram milagres.

Porém não há fórmulas. Certamente, quando pensamos que há uma fórmula, falhará. D-us é D-us, e não será reduzido a uma fórmula. Ele fará Seus milagres, e demonstrará Seu poder em nossas vidas de várias formas. D-us quer que tenhamos fé n’Ele e não em métodos.

Em terceiro lugar, a autoridade de D-us é suprema e está embaixo das Suas vestes onde devemos buscar habitação. No livro de Apocalipse, está escrito que quando o Messias vier, “no manto, sobre a sua coxa tem escrito o nome: Rei dos reis e Senhor dos senhores” (Ap 19:16). Será que a referência à “sua coxa” é uma referência às franjas que se estendem até as coxas e fala de sua autoridade? Quem poderia ter mais autoridade do que o Rei dos reis e o Senhor dos senhores?

Em quarto lugar, há muitas coisas que D-us nos pede como demonstração de nossa fé. Na lei de Moisés, o povo judeu foi instruído para vestir franjas, colocar Sua palavra sobre o portal de suas casas, para afastar-se de certas comidas, para celebrar certas festas comemorativas, etc. Os crentes também devem viver suas vidas de uma maneira que reflita o D-us que servimos. Assim como os fariseus tinham um problema com o comprimento das suas franjas, nós também podemos “exibir” nosso cristianismo de formas externas que alimentem o orgulho humano e nos distraiam da importância de andar com humildade com nosso D-us.

Adaptação: Mário Moreno.

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