Mário Moreno/ fevereiro 15, 2019/ Artigos

Ieshua ou Sha´ul?

É muito comum em debates teológicos a respeito do cumprimento da Torah, os oponentes dessa visão buscarem contrariar até mesmo textos do Messias usando textos de Sha´ul, como se o Messias deles fosse o próprio Sha´ul. É muito conveniente esse tipo de atitude, afinal Sha´ul seria mais “bonzinho” que Ieshua, mas vamos ver o que o próprio Sha´ul diz de atitudes como essa:

Pois a vosso respeito, meus irmãos, fui informado, pelos da casa de Cloe, de que há contendas entre vós. Refiro-me ao fato de cada um de vós dizer: Eu sou de Sha´ul, e eu, de Apolo, e eu, de Cefas, e eu, do Ungido. Acaso, o Ungido está dividido? Foi Sha´ul crucificado em favor de vós ou fostes, porventura, imersos em nome de Sha´ul? Dou graças a IHVH porque a nenhum de vós imergi, exceto Crispo e Gaio; para que ninguém diga que fostes imersos em meu nome. Imergi também a casa de Estéfanas; além destes, não me lembro se imergi algum outro” I Co 1.11-16.

Segundo o próprio Sha´ul, esse tipo de atitude é totalmente condenável e errada, porque Sha´ul não é o Messias, mas sim Ieshua!!! Então o que devemos fazer com os escritos de Sha´ul? Ignorá-los quando dão a impressão de contradizer a mensagem do Messias que disse que veio completar a Torah e não revogá-la? Óbvio que não, mesmo porque Sha´ul nunca contradisse Ieshua, como as traduções cristãs mais comuns dão a entender.

O que devemos fazer então? Devemos buscar harmonizar as palavras de Sha´ul com as palavras do Messias que estão perfeitamente harmonizadas com as palavras da Torah, a base de tudo. Ieshua disse no início do Sermão da Montanha:

Não pensem que vim abolir a Torah ou os Profetas. Não vim abolir, mas completar. Sim, é verdade! Digo a vocês: Até que céus e terra passem, nem mesmo um yud ou um traço passará da Torah – Não até que todas as coisas que precisam acontecer tenham acontecido. Portanto, todo o que desobedecer ao menor destes mandamentos e ensinar outras pessoas a agirem da mesma forma será chamado ‘menor’ no poder soberano dos céus. Mas quem obedecer a elas e ensinar dessa forma será chamado ‘maior’ no poder soberano dos céus!” Mt 5.17-19.

Estas são as palavras do Messias, agora vamos ver o que Sha´ul diz que supostamente contraria isso:

Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da Torah, e sim da graça” Rm 6.14.

Bem contraditório, não? Se o texto realmente quisesse dizer isso, deveria ser imediatamente rejeitado porque contradiz tudo o que o Messias disse, pois o Messias incentivou o cumprimento da Torah e exortou os que ensinam o contrário. Neste caso deveríamos escolher entre Ieshua ou Sha´ul, sendo um a completa antítese do outro.
Se o que Sha´ul falou é o correto, então Ieshua não é o Messias porque ensinou o oposto. Se o que Ieshua ensinou é o certo (parece que para alguns ainda restam dúvidas), então Sha´ul deve ser rejeitado pelo mesmo motivo. Mas será que Sha´ul ensinou mesmo o contrário de Ieshua no tocante à Torah? Vejamos uma tradução baseada no contexto original judaico:

Porque o pecado não terá autoridade sobre vocês; pois vocês não jazem sob o legalismo, mas estão debaixo da graça” Rm 6.14 (grifo meu).

Então na verdade não significa que não estamos mais sujeitos à Torah, mas sim ao legalismo que pode ser resultado de uma observância sem fé e sem amor, dos mandamentos da Torah. Vou citar um exemplo típico de legalismo:

Imagine um homem que é casado, mas passa a desejar outra mulher. Ele a vê na rua, no trabalho, alimenta fantasias com ela, etc. De noite, ele mantém relações sexuais com a esposa imaginando e fantasiando estar com a outra mulher.

Tecnicamente isso não é adultério, pois o adultério consiste em chegar às vias de fato, à relação física com outra pessoa que não o seu cônjuge. Mas esse é o cumprimento da Torah que o Eterno espera? Veja o que é ensinado pelo Messias, o que ele quis dizer quando disse que veio “completar” a Torah:

Vocês ouviram o que foi dito aos nossos pais: ‘Não adultere’. Mas eu lhes digo: O homem que até mesmo olhar para uma mulher desejando-a ardentemente já cometeu adultério com ela em seu coração” Mt 5.27-28.

A Torah manda não adulterar, o que consiste, como já foi dito acima, em relação extra-conjugal. Só que na verdade esse entendimento das escrituras é muito tosco, é muito precário e primário. Ieshua então veio ensinar o verdadeiro significado do mandamento, que é o de nem mesmo desejar outra mulher, contente-se com a sua (ou nos tempos antigos, com as suas). O que Ieshua fez foi colocar uma “cerca da Torah” em volta deste mandamento trazendo assim uma proteção maior para o homem e impedindo-o de pecar.

O exemplo acima é um exemplo típico de legalismo, ou o que o tradutor chama de “perversão legalista da Torah”. Ou seja, a pessoa busca burlar a Torah sem de fato transgredí-la, mas sem saber, porém, que, ao fazer isso, já transgrediu a Torah. Isso é legalismo, e é isso o que significa “debaixo da Torah” e “obras da Torah”, porque a Torah sem o Espirito o Santo, pode levar a esse tipo de interpretação de si mesma, porque “a letra mata, mas o espirito vivifica” (II Co 3.6), o que significa que, que se torna algo morto pelo legalismo, ganha vida novamente através do Espírito o Santo.

Segundo os registros históricos, os fariseus da Escola de Hillel, sempre que apresentavam sua refutação teológica contra as interpretações literais dos da Escola de Shamai encerravam o debate dizendo: “a letra mata, mas o espírito vivifica” o que significava que a interpretação literal mata, mas a interpretação do mandamento vivifica. Portanto todo aquele que cita este versículo está indiretamente proclamando que faz uso das sete regras de Hillel e interpretou o princípio por trás do mandamento.

Este foi só um pequeno exemplo de como harmonizar possíveis contradições entre Ieshua e Sha´ul, ou entre “lei e graça”. Como esse exemplo, existem muitos outros que podem ser vistos no decorrer nas escrituras, ao buscar-se o contexto original judaico das mesmas.

Adaptação: Mário Moreno.

Obs: Artigo baseado no original escrito por Rodrigo Garcia.