Mário Moreno/ março 14, 2018/ Artigos

O Cabeça da Mulher

Quero porém, que saibais que o Mashiach é a cabeça de todo homem, o homem a cabeça da mulher, e Elohim a cabeça do Mashiach” (I Co 11:3).

O versículo acima é dos mais mal compreendidos e abusados da Bíblia, e por muitos séculos tem sido utilizado pela sociedade ocidental machista para justificar uma dominação masculina. Ou ainda para dizer que o homem tem primazia sobre a mulher no lar. Nada mais equivocado…

O principal problema que leva as pessoas a interpretarem esse versículo de forma tão errada é a falta de conhecimento do contexto semita da expressão.

A expressão aqui utilizada para se referir à “cabeça” é a expressão “rosh” no hebraico. Essa expressão na realidade não dá ideia de dominação, nem de “alguém que pensa pelo outro.” A ideia da cabeça aqui é de “princípio.” Um exemplo semelhante encontra-se na palavra “rosh” no hebraico, onde temos termos como “rosh hashaná”, que significa literalmente “o cabeça do ano”, e onde cabeça se refere ao princípio, e não a um domínio.

Se Rav. Sha’ul estivesse falando de domínio, certamente teria usado a expressão “mar”, que significa “senhor”.
Na realidade, uma tradução mais adaptada ao nosso entendimento, já que na nossa cultura “cabeça” é associado a domínio, seria:

“Quero porém que saibais que o homem veio do Mashiach [Adam Kadmon – o homem celestial], a mulher veio do homem, e o homem veio de Elohim.”

Rav. Sha’ul faz esse jogo de palavras devido ao tema do uso de cobertura para a cabeça.

Contudo, se analisarmos o conceito de princípio/cabeça, vemos que está associado à sefirá de Keter (coroa), que é o princípio da árvore da vida. Ou seja, o que vemos aqui é uma referência ao alinhamento de propósito.

Trocando em miúdos, temos a seguinte ideia proposta por Rav. Sha’ul: “O propósito do IHVH se cumpriu através do Mashiach, foi dado ao homem e estendido à mulher.” Essa não é uma mensagem que denota hierarquia de poderes, mas sim uma unidade. Ou seja: homem + mulher + Mashiach, todos unidos como ECHAD perante IHVH através do amor à Torah (repare que o princípio do capítulo fala da obediência a mandamentos).

Lamentável que alguns usem deste versículo para justificar um domínio que remonta aos tempos medievais.

Outro texto mal compreendido está em Efésios 5:21-24, onde o texto que diz que a mulher deve se “sujeitar” ao marido é usado para justificar uma suposta necessidade de obediência da mulher ao marido. Novamente, nada mais equivocado e machista.

Na realidade, a palavra que aqui aparece no aramaico vem da raíz “ebda”, que é o termo aramaico equivalente a “abad” no hebraico.

Ora, a expressão “abad” no aramaico é usada para falar do serviço dos levitas no Templo. Não é uma expressão que indica dominação, mas sim um “cuidado amoroso”.

Ou seja, a recomendação aqui é: mulheres – cuidem amorosamente de seus maridos. E não um obedecer aos mandos e desmandos, nem tampouco dar ao marido a “última palavra”. Infelizmente, procura-se na Bíblia razões para justificar um machismo que YHWH nunca aprovou.

Qual o plano original de IHVH? O que diz a Torah?

“Portanto deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e unir-se-á à sua mulher, e serão uma só carne” (Bereshit/Gênesis 2:24).

Aqui vemos que o plano original de IHVH é o de que homem e mulher se tornem uma só carne. Quando um homem e uma mulher se tornam uma só carne, seus princípios se fundem em um, suas neshamot (espíritos) também se tornam um. Eles caminham em unidade, falam em uníssono, enfim, deve haver uma perfeita harmonia e união.
Nesse contexto, não pode haver dominação de uma parte, porque já não há partes, mas sim um todo, um inteiro.

Deixemos portanto de lado o preconceito de séculos. Será que nós, seguidores de Ieshua, seremos os últimos a sairmos da idade média e entendermos que homem e mulher são diferentes, porém tratados com equidade perante IHVH? Só há um Senhor, e é IHVH, e não o homem.

Adaptação: Mário Moreno.