O Fermento
O Fermento
O que é de fato o fermento e a levedura? A definição da enciclopédia é a seguinte: “A etimologia da palavra levedura tem origem no termo latino “levare” com o sentido de crescer ou fazer crescer, pois as primeiras leveduras descobertas estavam associadas a processos fermentativos como o de pães e de mostos que provocam um aumento da massa do pão ou do volume do mosto pela liberação de gás e formação de espuma nos mostos.”
Levedura para pão
“Permite, quando adicionada à massa, que esta cresça e depois seja levada ao forno e forme o pão. O pão cresce devido a todo um processo de transformação realizado pela levedura, que quando misturada com a massa, que contém açúcares, vai começar a se reproduzir e a realizar a glicólise. Em seguida dá-se a transformação do ácido pirúvico (produto resultante da glicólise) em etanol, tendo sido libertado, para que esta transformação ocorra, um gás, dióxido de carbono: é este gás que, ao criar bolhas na massa, vai provocar o aumento de volume da mesma”.
Então podemos dizer que o fermento é o agente que dá início ao processo de fermentação da massa, que quando atinge o tempo limite, torna-se então “levedada”, ou seja, já está sob a ação total do fermento!
Na Torah temos também duas palavras para “fermento” que são “hamets” significando “estar azedo, fermentado” e também a palavra “se´or” que significa “levedura”. Apesar de serem traduzidas de forma diferente nas passagens correlatas, estas palavras tem o mesmo sentido, ou seja, elas falam de algo que já está sob a ação do fermento!
As passagens que falam sobre isso na Torah temos somente uma ocorrência do termo “hamets”; nas demais o termo que ocorre é sempre “se´or”. Os contextos nos quais estas palavras ocorrem são:
Pessach
“Sete dias comereis pães asmos: ao primeiro dia tirareis o fermento das vossas casas; porque qualquer que comer pão levedado, desde o primeiro até ao sétimo dia, aquela alma será cortada de Israel” Êx 12:15.
“Por sete dias não se ache nenhum fermento nas vossas casas; porque qualquer que comer pão levedado, aquela alma será cortada da congregação de Israel, assim o estrangeiro como o natural da terra” Êx 12:19.
“Sete dias se comerão pães asmos, e o levedado não se verá contigo, nem ainda fermento será visto em todos os teus termos” Êx 13:7.
“Levedado não aparecerá contigo por sete dias em todos os teus termos: também da carne que matares à tarde, no primeiro dia, nada ficará até à manhã” Dt 16:4.
Ofertas de manjares
“E se a tua oferta for oferta de manjares, cozida na caçoula, será da flor de farinha sem fermento, amassada com azeite” Lv 2:5.
“Nenhuma oferta de manjares, que oferecerdes ao IHVH, se fará com fermento (hamets); porque de nenhum fermento (se´or), nem de mel algum, oferecereis oferta queimada ao IHVH” Lv 2:11.
Em ambos contextos a questão é puramente “física” mas com uma conotação espiritual. A tradição judaica nos relata o que aconteceu naqueles dias e suas consequências. O relato nos diz assim:
…No primeiro dia do mês de Nissan, duas semanas antes do Êxodo do Egito, D’us disse a Moshê e Aharon: “Este mês será para vocês o começo dos meses; será o primeiro mês do ano para vocês. Vão e falem à toda a congregação de Israel: no décimo dia deste mês, cada homem deverá tomar um cordeiro, conforme a casa de seus pais, um cordeiro para cada família; e deverá mantê-lo até o décimo quarto dia do mesmo mês; e toda a assembleia da congregação de Israel deve abatê-lo ao anoitecer. Deverão pegar o sangue e transportá-lo para as casas onde deverão comê-lo. Comerão a carne naquela noite, tostada ao fogo, com pão ázimo; comê-lo-ão com ervas amargas… E não deixarão sobrar nada até a manhã; mas aquilo que sobrar até a manhã deverá ser queimado com fogo. E assim deverão comê-lo: com a cintura cingida, com sapatos nos pés e o cajado na mão; e devem comê-lo com pressa, – é o Pêssach do IHVH. E quando Eu vir o sangue, passarei sobre vocês, e não haverá praga que os destrua, quando Eu golpear a terra do Egito. E este dia será para vocês um memorial, e deverão celebrá-lo como uma festa do IHVH, através de todas as gerações”.
“…. vocês deverão comer pão ázimo, e jogar fora todo fermento de suas casas. E seus filhos dirão a vocês: O que isto significa? Vocês dirão: É o sacrifício de Pêssach a Elohim, que passou sobre as casas dos filhos de Israel no Egito quando Ele golpeou os egípcios e poupou nossas moradas.”
Tudo isso foi dito por Moshê aos filhos de Israel, e eles fizeram como D’us lhes ordenara.
Veio a meia-noite de quatorze para quinze de Nissan, e D’us golpeou todos os primogênitos na terra do Egito, do primeiro filho do faraó ao do prisioneiro nas masmorras; e todos os primogênitos dos animais, como Moshê havia avisado. Houve um lamento pungente e ensurdecedor, pois em cada casa um ente amado caíra golpeado de morte. Então o faraó procurou Moshê e Aharon naquela mesma noite, e lhes disse: “Levantem-se, saiam de perto de meu povo, vocês e os filhos de Israel; vão, sirvam ao Senhor como desejam; tomem seus rebanhos, como disseram, e vão, e me abençoem também.” Finalmente o orgulho do Faraó fora quebrado.
Enquanto isso, os hebreus estavam se preparando para sua apressada partida. Com os corações batendo, reuniram-se em grupos para comer o cordeiro pascal. Participaram da refeição da meia-noite, preparada conforme as instruções de Moshê. As mulheres tiraram dos fornos os pães ázimos, que foram comidos com a carne grelhadas dos cordeiros. O sol já havia se erguido no horizonte quando, à palavra de comando, toda a nação dos hebreus avançou. Mas nem mesmo em meio ao perigo, esqueceram o penhor dado por seus ancestrais a Iossef, e carregaram seus restos mortais com eles, para enterrá-los mais tarde na Terra Prometida.
Dessa maneira os filhos de Israel foram libertados do jugo de seus opressores no dia 15 de Nissan, no ano 2448 após a criação do mundo. Havia 600.000 homens acima de 20 anos de idade que, com suas mulheres, crianças e rebanhos, cruzaram a fronteira do Egito para serem uma nação livre. Muitos egípcios e outros não-judeus juntaram-se aos triunfantes filhos de Israel, esperando partilhar de seu glorioso futuro. Os filhos de Israel não deixaram o Egito de mãos vazias. Além de seus próprios bens, os aterrorizados egípcios haviam entregado a eles seus valores em prata e ouro, vestimentas, num esforço de apressar sua partida. Dessa maneira D’us cumpriu em cada detalhe Sua promessa a Avraham de que seus descendentes deixariam o exílio com grandes riquezas em recompensa aos 210 anos de trabalhos forçados.
Liderando o povo judeu na sua jornada durante o dia havia uma coluna de nuvem, e à noite, uma coluna de fogo iluminando o caminho. Estes mensageiros Divinos não apenas guiavam os filhos de Israel, como também preparava o caminho à sua frente, tornando-o fácil e seguro.
Depois destes acontecimentos percebemos o seguinte: somente os obedientes puderam escapar da morte no Egito! A “retirada” do fermento foi somente uma das formas de obediência, mas isso estava entre as coisas mais importantes a serem feitas naquele contexto. A Torah não nos diz que nenhum filho de um judeu morreu por falta de cumprir qualquer exigência do Eterno quanto a Pessach.
Isso mais uma vez nos mostra que a obediência é fundamental para que tenhamos uma vida plena e também para que alcancemos misericórdia quando o juízo vem!
Na Brit Hadasha temos este mesmo termo – se´or – e que abrange um leque maior de “significados” do que somente a questão “física”, pois Ieshua e seus talmidim consideravam o fermento como algo mais maléfico do que aparentava ser.
Num primeiro momento o fermento foi comparado com a eficácia do poder soberano de Elohim numa porção de farinha numa masas para pão. Os versos que nos falam sobre isso são:
“Outra parábola lhes disse: O poder soberano dos céus é semelhante ao fermento que uma mulher toma e introduz em três medidas de farinha, até que tudo esteja levedado” Mt 13:33.
“É semelhante ao fermento que uma mulher, tomando-o, escondeu em três medidas de farinha, até que tudo levedou” Lc 13:21.
Neste caso podemos entender que existe uma propriedade no poder soberano de Elohim que é sua penetração onde quer que esteja. Alguns falam sobre as dificuldades de penetração da Palavra do Eterno no coração dos homens e entre determinados povos, mas as Escrituras dizem que quando somente um pouco da Palavra é ministrada ela mesma se encarrega de realizar o “trabalho” de expandir-se no coração dos homens fazendo-os chegar ao conhecimento do Eterno.
Uma outra aplicação do “fermento” é dada em relação aos tsadukim e perushim. Neste caso o “fermento” deles seriam seus ensinamentos. Os ensinos deles estavam desvirtuados e impunham sobre seus seguidores um peso doutrinário muito grande que nem mesmo eles suportavam! Um fato histórico interessante sobre os perushim pode nos fazer entender melhor sua influência sobre o povo.
“Os perushim agrupavam-se em “havurot”, associações religiosas que tinham os seus líderes e suas assembleias, e que tomavam juntos as suas refeições. Segundo Flávio Josefo, historiador judeu do 1º século d.C., o número de perushim na época era de pouco mais de seis mil pessoas (Antiguidades Judaicas 17, 2, 4; § 42). Eles estavam intimamente ligados à liderança das sinagogas, ao seu culto e escolas. Eles também participavam como um grupo importante, ainda que minoritário, do Sinédrio, a suprema corte religiosa e política do Judaísmo da época. Muitos dentre os “perushim” tinham a profissão de sofer (escriba), ou seja, a pessoa responsável pela transmissão escrita dos manuscritos e da interpretação dos mesmos. Duas escolas de interpretação religiosa se desenvolveram no seio dos perushim e se tornaram famosas: a escola de Hillel e a escola de Shammai. A escola de Hillel era considerada mais “liberal” na sua interpretação da Lei, enquanto a de Shamai era mais “estrita”.
Brit Hadasha
Os versos que nos falam sobre isso são:
“E Ieshua disse-lhes: Adverti e acautelai-vos do fermento dos fariseus e saduceus” Mt 16:6.
“Como não compreendestes que não vos falei a respeito do pão, mas que vos guardásseis do fermento dos fariseus e saduceus?” Mt 16:11.
“Então, compreenderam que não dissera que se guardassem do fermento do pão, mas do ensino dos fariseus e saduceus” Mt 16:12.
“E ordenou-lhes, dizendo: Olhai, guardai-vos do fermento dos fariseus e do fermento de Herodes” Mc 8:15.
“Ajuntando-se, entretanto, muitos milhares de pessoas, tanto que se atropelavam uns aos outros, começou a dizer aos seus discípulos: Acautelai-vos, primeiramente, do fermento dos fariseus, que é a hipocrisia” Lc 12:1.
O que mais chama a atenção nestes versos é que Ieshua fala acerca da “hipocrisia” destes homens. Esta palavra vem do termo hebraico “hanep” que significa “ser (estar) maculado, contaminado, profanado, corrompido”. A palavra nos fala sobre atitudes que não correspondem com aquilo que se diz.
Ieshua se preocupou com esta conduta, que estava em desacordo com os mandamentos da Torah e advertiu às pessoas que tomassem cuidado com isso, pois aquilo que dizemos devemos de fato fazer!
O “fermento” era então a contaminação dos ouvintes com palavras que não condiziam com os atos daquelas pessoas. Eles davam a entender que era “normal” agir desta forma. Isso acontecia por que suas mentes e corações já estavam contaminados e isso transparecia em suas atitudes! Não há como “enganar” ou “dissimular” em todo o tempo e isso era impossível na presença de Ieshua!
Eles tinham algumas coisas excelente como segue:
“A verdade é o selo de D-us”
“Mais que toda ação religiosa, D-us quer um coração puro”
“Toda oração deve ser precedida por um ato de caridade”
“Aquele que comete uma falta em segredo, nega a onipotência de D-us”
“Se D-us reserva a recompensa das boas ações para o mundo futuro é com o fim de que os homens ajam neste mundo por convicção e não por interesse”
“Sêde dos discípulos de Arão, amai a paz e sacrificai tudo para mantê-la”
“Não julgues teu próximo até que te encontres no lugar dele”
“Julgai todo mundo com indulgência”
“Não envergonhai o próximo em público, porque isso poderia custar-lhe a vida e seríeis um criminoso”
“Mais vale estar entre os perseguidos que entre os perseguidores”
“Não te metas em nenhum assunto do qual possa resultar condenado à morte ainda que culpado”
“Ditoso o homem que sai deste mundo, limpo e sem pecado, como entrou”
“Grande perigo é substituir D-us do coração por um coração de D-us”
Sha´ul caminha nesta mesma direção quando fala acerca disso e ressalta o cuidado com a “soberba” que pode fazer com que uma pessoa se corrompa e torne-se então “fermentada” espalhando isso a todos com quem tem contato!
O texto de Corintios diz assim: “Não é boa a vossa jactância. Não sabeis que um pouco de fermento faz levedar toda a massa? Alimpai-vos, pois, do fermento velho, para que sejais uma nova massa, assim como estais sem fermento. Porque o Ungido, nossa páscoa, foi sacrificado por nós. Pelo que façamos festa, não com o fermento velho, nem com o fermento da maldade e da malícia, mas com os asmos da sinceridade e da verdade” I Co 5:6-8.
Para nós, Pessach é o tempo não somente de retirarmos o fermento físico de nossas vidas, mas precisamos também que o Eterno possa “arrancar” de nós o “fermento” que tanto nos prejudica e nos afasta da pureza da Palavra do Eterno.
Vivamos este tempo de “retirada do chamets” de nossas vidas como um tempo em que o Eterno estará nos preparando ainda mais para o grande evento que nos aguarda: o derramar da glória do Eterno sobre nossas vidas e em todo o mundo, pois o poder soberano dos céus já chegou e ainda está em processo de “conquista” neste mundo. Sejamos nós os instrumentos para que o poder soberano de Elohim possa de fato fazer a diferença em nossos dias!
Pessach Sameach!
Mário Moreno.