Mário Moreno/ outubro 15, 2018/ Parasha da semana

Lech L’cha

Levanta-te e sai

Gn 12.1 – 17.27 / Is 40:27-31; 41:1-16 / Rm 4:1-25

Enquanto Nôach é caracterizado como já sendo perfeito quando o encontramos pela primeira vez, a Torah insinua que Avraham ainda não atingira este nível de perfeição quando D’us lhe ordena: “Caminhe adiante de Mim e seja perfeito”.

Embora a Torah qualifique o cumprimento a Nôach, limitando sua perfeição dentro de sua geração, Avraham, como um indivíduo, aparentemente carece de algumas características, por meio das quais D’us não poderia descrevê-lo como perfeito e por isso deve dirigi-lo por um determinado caminho. Por que o Criador está aconselhando Avraham a ser perfeito e de que maneira Avraham é deficiente?

Avraham teve uma traiçoeira e complicada missão na vida. Sua revelação independente da verdade do monoteísmo colocou-o em território inexplorado, onde precisaria investigar caminhos nunca antes percorridos. E assim como um desbravador em um lugar inóspito, Avraham deveria buscar rumos que poderiam torná-lo desesperadamente perdido, ou mesmo levá-lo a destinos que ameaçassem sua vida ou a missões desalentadoras.

Sendo um inovador, Avraham deve arriscar-se a fim de desenvolver, esclarecer e entender este revolucionário conceito de monoteísmo. Assim fazendo, emerge uma possibilidade real de que ele tomasse o caminho errado. Este fato não insinua a fraqueza da fé de Avraham, ao contrário, revela uma missão realmente complicada e com muitos fatores contribuindo para a conclusão.

Embora hoje entendamos o conceito de um D’us único quase de forma intuitiva, Avraham descobriu e formulou a noção de monoteísmo partindo do zero.

D’us, entendendo todas as ciladas e desvios em potencial que Avraham certamente enfrentaria, aconselha-o a “andar adiante d’Ele”. Entretanto, ao caminhar à Sua frente, Avraham deve ser perfeito na busca de seu objetivo, a fim de assegurar o resultado correto.

Cada um tem missões na vida – pessoal, familiar e comunitária. Em todas elas existem muitas ameaças, e corremos o risco de nos desviar do rumo de nosso destino desejado. Mesmo quando estamos mapeando nossos próprios caminhos, desvios podem nos fazer perder o rumo. Enquanto nos esforçarmos para atingir a perfeição, podemos continuar a perseguir nossa missão com certo grau de segurança. É claro que a ameaça continua a existir, porém em menor grau.

Avraham pode e deve atravessar território desconhecido para completar a obra de sua vida, mas com uma orientação e mentalidade de sinceridade e perfeição.

Também nós devemos lutar pela perfeição, atingindo o mais elevado, com sinceras intenções.

Nesta Porção da Torah estaremos abordando a saída de Avraham de sua terra natal (Harã) em busca da herança que o Eterno D-us lhe prometera. Veremos aquilo que o Eterno lhe prometeu e qual foi a metodologia empregada para fazer cumprir seus desígnios e desejos na vida de Avraham.

Versículo 12:1

D’us disse a Avraham: Deixa tua terra e tua parentela, a casa de teu pai, para a terra que te mostrarei…”

Desde o tempo em que D’us disse a nosso pai Avraham “Deixa tua terra” e “Avraham seguiu, viajando para o sul,” começou o processo de extrair as centelhas de santidade que estão espalhadas por todo o universo, e enterradas na existência material.

Por decreto da Divina Providência, o homem vagueia em suas viagens àqueles locais onde as centelhas que devem ser extraídas por ele aguardam sua redenção. A Causa de Todas as Causas provoca as várias circunstâncias e pretextos que o fazem chegar a esses lugares, onde sua missão pessoal na vida deve ser cumprida (Rabi Sholom Dovber de Lubavitch).

Sempre que dois judeus se reúnem, algo de bom resultará para um terceiro (Rabi Yossef Yitschac de Lubavitch).

O JUDEU ERRANTE

O chassid Rabi Raphael Nachman Kahan relatou:

Em novembro de 1917, Rabi Sholom Dovber de Lubavitch deixou Rostov para uma conferência de rabinos em Petersburg. Chegou a Moscou quando a luta entre os Bolcheviques e as Forças Brancas assolavam as ruas da cidade.

Por vários dias, incluindo o Shabat, o Rebe ficou à deriva em Moscou, sem poder retornar para Petersburgo nem para Rostov. Meus pais preparavam a comida do Rebe, que levávamos ao seu alojamento com as balas sibilando sobre nossa cabeça.

Certa tarde, meu pai viu o Rebe caminhando de cá para lá em seu quarto, uma expressão desgostosa no rosto. Ouviu-o dizer entre dentes: “Viajei para Petersburgo, mas permaneci em Moscou. Bem, parece que assim estava destinado a ser…” O Rebe então voltou-se para meu pai: “Gostaria de reunir alguns chassidim. Sei que os tempos estão difíceis, mas mesmo assim…”

O Rebe preparou uma lista com diversos membros ricos da comunidade Lubavitch, e meu pai procurou-os. A princípio os convites foram feitos por telefone, mas logo as linhas caíram e meu pai aventurou-se a visitar os convidados. Apesar das condições ameaçadoras, cada um dos convidados compareceu.

O Rebe disse-lhes: “Muitos judeus ficaram sem teto devido à guerra, e os refugiados estão por toda a Rússia e Europa. Muitos foram alojados em áreas onde nenhum judeu jamais havia vivido. Encontram-se agora sem nenhum dos livros que são essenciais a um judeu, especialmente livros de orações.”

O Rebe propôs então que uma gráfica fosse formada, com ações oferecidas ao preço de 1000 rublos cada uma. Cada participante foi solicitado a adquirir quantas ações desejasse. Todos os presentes se inscreveram.

No domingo, o Rebe caminhou até a estação (as condições não permitiam que qualquer veículo trafegasse pelas ruas), acompanhado por vários chassidim, e voltou para casa. De volta a Rostov, o Rebe criou a Ezra Press e publicou o primeiro livro de preces Tehilat Hashem (da edição antiga, mais fina) bem como os livros de preces na versão ashkenazita. Despachou então os livros de preces para onde quer que existissem judeus.

Tudo tem início com uma ordem: “Ora, o Senhor disse a Avram: sai-te da tua terra e da tua parentela e da casa de teu pai, para uma terra que eu te mostrarei” (Gn 12.1). A primeira coisa a considerarmos aqui é que o Eterno fala (ou se apresenta) a Avram como IHVH (o tetragrama). Este nome significa “Eu me torno aquilo que me torno” e traz implícito nele que este relacionamento com Avram traria os resultados que ele Avram necessitava, pois se tornaria a solução do problema que surgira na vida de Avram. O verso também nos mostra que havia um relacionamento entre o Eterno e Avram, pois D-us fala com Avram dando-lhe uma ordem e também lhe faz uma promessa! Aqui não há nenhuma indicação de onde é a terra ou o que exatamente Avram receberia do Senhor. Há somente uma certeza: a de que há uma palavra dada pelo Eterno em relação ao seu futuro e de que, há um caráter de fidelidade naquele que a pronunciou!

Juntamente com a promessa de uma orientação acerca de uma nova habitação para Avram, vem também outras coisas: “E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei, e engrandecerei o teu nome e tu serás uma benção” (Gn 12.2). Aqui o Eterno está falando com um homem já avançado em idade e com tudo vários fatores contra si mesmo da perspectiva humana! Mas o Eterno lhe promete fazer dele uma grande nação! A palavra nação em hebraico é goy e significa gentio, pagão, nação, povo. Esta palavra nos fala sobre a metodologia que o Eterno usaria no decurso da história a fim de fazer de Israel um povo muito grande em toda a terra! O interessante é que o termo nos fala sobre uma mistura, um povo gentio que seria descendente de Avram! Novamente a metodologia do Eterno nos mostra que seus desígnios devem ser obedecidos e não compreendidos! Quando o Eterno prometeu isso a Avram ele tinha cerca de 75 anos e já era um homem completamente estabelecido em sua cidade. Ele não era um qualquer, e não procurava por aventuras, mas através do relacionamento que mantinha com o Eterno pôde então receber do Senhor as promessas que o guiariam até a terra de Canaã! Esta promessa feita a Avraham cumpriu-se de duas formas: a primeira é que o povo de Israel acabou misturando-se com outros povos, dando origem a descendentes meio-israelitas, porém sem o conhecimento do Eterno, pois foram estes judeus que sofreram muitas perseguições em nome do próprio D-us e por isso isolaram-se a fim de não serem mortos e novamente exilados. A segunda é que hoje os crentes em Ieshua também são descendentes de Avram pela fé! Isso nos leva a concluirmos que temos uma aglutinação e uma identificação daquilo que chamamos de nação igreja mais a nação de Israel! Estes dois, na realidade, formam apenas um só povo! Não é possível separarmos estes dois povos, pois eles tem, em sua essência, tudo em comum! Apenas falta, de ambas as partes, o conhecimento e o reconhecimento um do outro! E este é o trabalho que o Espírito Santo está realizando nestes últimos dias. Ele os está aproximando entre si e derrubando as barreiras que há séculos foram postas a fim de impedir este conhecimento e o reconhecimento daqueles que tem em sua fé as origens comuns.

Uma outra coisa foi dita ainda a Avram: que ele seria abençoado! A palavra abençoar no hebraico é barak e significa dar poder para alguém ser próspero, bem sucedido e fecundo! E quando o Eterno prometeu isso a Avram, como já dissemos, ele já era um homem com uma vida estável em sua cidade! Porém essa promessa adicionou um aspecto à sua vida: o Eterno o faria fecundo! Este era naquele momento o aspecto mais importante da promessa de D-us para Avram! Ele realmente apegou-se à esse aspecto daquilo que fora dito pelo Eterno a fim de caminhar à luz e na esperança desta palavra! O verso continua nos falando que o nome de Avram seria engrandecido e que ele seria um baraka (ou seja, próspero, bem sucedido e fecundo)! Certamente que Avram ao ouvir estas palavra teve suas entranhas dentro de si movidas pela fé e emoção que se seguiram àquele momento! Ele sabia que o Criador do universo estava lhe falando e que Ele jamais libera palavras sem um objetivo mais elevado! Por isso sua fé e esperança foram realmente restauradas e renovadas!

A promessa feita a Avram tem um caráter de reciprocidade: “E abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem: e em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12.3). Perceba que há aqui um entrelaçamento entre a atitude dos outros para com Avram (e também seus descendentes) e a atitude do Eterno para com estas pessoas! O que o Senhor quer dizer com isso? Ele quer dizer o seguinte: dependendo da atitude dos povos para com Avram e seus descendentes Ele agiria de uma forma – no caso de os abençoarem – já quando fizessem o contrário, haveria um outro tipo de reação da parto do Senhor para com eles! Novamente isso nos mostra que o Senhor identificou-se de tal forma com seu povo que conforme são tratados Ele – o Senhor – está sendo tratado também! Temos aqui uma definição bem clara sobre isso: “abençoarei os que te abençoarem” quer dizer: “darei poder para serem prósperos, bem sucedidos e fecundos” todos os que, de alguma forma colaborarem com vocês, sejam em gestos, atos, palavras ou intenções! A palavra usada aqui para abençoar é barak. Mas há também o reverso desta situação que é: “amaldiçoarei os que te amaldiçoarem”. Isto está assim descrito no hebraico: a palavra “amaldiçoarei” é arar e quer dizer amaldiçoar, capturar, prender por encantamento, cercar com obstáculos, deixar sem forças para resistir. Essa será a paga que receberão do Eterno por amaldiçoarem a Israel. Esta palavra amaldiçoar é qalal e significa considerar sem importância, ser insignificante, relegar ao desprezo. Agora juntemos as duas partes: aqueles que por gestos, atos, palavras ou pensamentos consideram Avram ou seus descendentes sem importância, insignificantes ou mesmo os desprezam (de qualquer uma das formas descritas acima) recebem do Eterno como “prêmio” suas vidas “capturadas, sendo presos por encantamos, tendo seu viver diário cercado por obstáculos e sendo deixado sem forças para resistir!” Será que é possível entendermos o quão sério o Senhor leva a sério aquilo que é feito contra seus filhos? Aqui está um dos marcos da fé bíblica e judaica no D-us Todo-Poderoso! E é justamente este o momento em que o D-us Eterno se compromete com Avram e seus descendentes de forma decisiva! Quando isso acontece há uma total interligação entre aquele que liberou a promessa (D-us) e o receptáculo da mesma (Avram e seus descendentes). Detalhe: não há como anular a palavra que foi dita pelo Senhor! Tudo o que fizemos ou fazemos deve ser pautado por essa regra bíblica: nossa atitude para com o povo de Israel determinará nosso futuro! Essa é realmente a condição em que o Senhor colocou a humanidade a fim de ou abençoá-los dando-lhes prosperidade, sucesso e fecundidade ou então o contrário, fazendo com que os males de uma vida de servidão e escravidão sejam permanentes sobre suas vidas!

Agora temos um outro aspecto que nos é revelado pelo Senhor: “E apareceu o Senhor a Avram e disse: à tua semente darei esta terra. E edificou ali um altar ao Senhor que lhe aparecera” (Gn 12.7). Outra vez é dada a Avram uma promessa: “à tua semente darei esta terra”. A palavra semente em hebraico é zerá e significa semente, descendência. Também denota a descendência como a linhagem prometida a Avram, Itshaq e Jacó. Aqui o Eterno diz a Avram que daria a terra aos seus descendentes físicos. Isso nos lembra que somente quem é dono de algo pode dar algo a alguém! Está escrito: “Do Senhor é a terra e a sua plenitude, o mundo e os que nele habitam” (Sl 24.1). Bem, se a terra pertence ao Senhor, Ele como dono, proprietário pode dá-la a quem desejar! Quando lemos a Escritura nós percebemos que somente um povo em todo o mundo recebe do Eterno uma terra como sua possessão: Israel! Não há registro nas Escrituras de outro povo a quem o Eterno tenha dado um pedaço de terra, delimitando-o com fronteiras, a fim de que ali residissem com seus descendentes como fez com Israel em Avram! E a escritura que lhes garante a posse do território está hoje nas mãos de bilhões de pessoas em todo o mundo, que ao lerem cuidadosamente esta Escritura, percebem o grande cuidado e identificação tidos entre o Senhor e Israel!

Quando tudo isso acontece com Avram, ele então faz o seguinte: “… e edificou ali um altar ao IHVH, e invocou o nome do IHVH” (Gn 12.8). Avram fez um altar onde certamente sacrificou ao Senhor, e aqui a palavra que define o Eterno é o tetragrama, o que nos faz lembrar que o Eterno tornou-se para Avram aquilo que ele mais necessitava, e além de edificar um altar e sacrificar ele também invocou o nome do IHVH! A palavra invocar em hebraico é qara e significa chamar, invocar, recitar. A atitude de Avram, após ouvir tudo o que o Eterno lhe disse foi de chamar Aquele que lhe aparecera pelo seu nome, nome que lhe fora revelado anteriormente e também é com base neste nome que ele Avram recebera as promessas que norteariam sua vida até o momento de sua morte!

Após o recebimento dessas promessas vem a primeira prova sobre Avram e sua família: fome na terra! Nós entendemos que Avram poderia Ter tido duas atitudes possíveis: profetizar sobre a terra a fim de que a mesma fosse transformada e abençoada ou então fugir da fome indo ao Egito. A segunda alternativa foi a escolhida por ele. Quando estavam chegando ao Egito, Avram e Sarai combinam em dizer que são apenas irmãos, pois Avram temia que por causa da beleza de sua mulher ele poderia ser morto pelos pretendentes de Sarai. E quando chegaram ao Egito assim aconteceu: “E viram-na os príncipes de Faraó e gabaram-na diante de Faraó e foi a mulher tomada para a casa de Faraó” (Gn 12.15). Aqui os príncipes de Faraó relataram ao mesmo sobre a beleza da mulher estrangeira, “irmã” de Avram de chegara ao Egito. A palavra “gabaram-na” em hebraico é halal e significa exaltar, louvar, vangloriar. A raiz traz a idéia de estar agradecido e satisfeito em elogiar alguma qualidade superior ou grande feito em alguém. E foi justamente isso que foi feito aos ouvidos de Faraó! Consideremos que Sarai já não era mais uma “menininha”, pois nesta época deveria estar com seus 50 anos de idade! Mas mesmo assim sua beleza era tão grande que quando chegaram ao Egito o relato sobre essa beleza impactante chegou aos ouvidos de Faraó! Os temores de Avram agora tornaram-se realidade! Mas, a Escritura nos diz que Faraó honrou a Avram com bens e propriedades por causa de Sarai. Mas o que vem a seguir é terrível: “Feriu porém o IHVH a Faraó com grandes pragas, e a sua casa, por causa de Sarai, mulher de Avram” (Gn 12.17). A palavra “ferir” em hebraico é naga e significa “tocar, alcançar, ferir“. A raiz da palavra refere-se a um golpe que o senhor aplica ao seu servo vassalo. Novamente percebemos o cuidado que o Eterno tem para com seus filhos, e principalmente com aquele homem a quem o Eterno fizera promessas de torná-lo grande em toda a terra como o pai físico da nação de Israel! O simples fato de Faraó Ter incluído Sarai em seu harém pessoal fez com se desencadeasse uma violenta reação por parte do Senhor, trazendo graves consequências sobre Faraó e toda a sua casa! O Senhor não permite que seus filhos sejam subjugados ou maltratados sem que haja um bom motivo para isso! Aqui, quando Faraó descobre quem era Sarai, ele dá uma “bronca” em Avram e manda-o embora do Egito com suas novas propriedades juntamente com sua mulher Sarai, que tanta dor de cabeça trouxe ao Egito! Devemos aprender o seguinte: quando estamos em situação difícil não devemos mentir, pois além das consequências normais de uma mentira contra nossa vida ela também pode atrair outros tipos de consequências sobre a vida daqueles que nos rodeiam trazendo prejuízo, dor, angústia e às vezes até morte sobre essas pessoas!

No capítulo 13 há o retorno de Avram do Egito e aqui aparece uma figura interessante: Lot. Ele é sobrinho de Avram e passará a compartilhar do mesmo espaço com o seu tio. É claro que ele também possui bens, e rebanhos e empregados. Essa união entre Avram e Lot, logo no início traz alguns problemas: “E houve contenda entre os pastores do gado de Avram, e os pastores do gado de Lot; e os cananeus e os fereseus habitavam então na terra” (Gn 13.7). Este tipo de desavença entre os funcionários de ambos – Avram e Lot – fez com que eles se dividissem. Então surge a questão: para onde ir? “Não está toda a terra diante de ti? Eia, pois, aparta-te de mim; se escolheres a esquerda, irei para a direita; e se a direita escolheres, irei para a esquerda. E levantou Lot os seus olhos, e viu toda a campina do Jordão, que era toda bem regada, antes do IHVH ter destruído Sodoma e Gomorra, e era como o jardim do Senhor, como a terra do Egito, quando se entra em Zoar. Então Lot escolheu para si toda a campina do Jordão, e partiu Lot para o Oriente, e apartaram-se um do outro” (Gn 13.9-11).  Aqui vemos muito claramente como age o homem que confia no Eterno: Avram chama seu sobrinho a fim de evitar um confronto entre ele e Lot. Aqui está a atitude de um homem prudente. Ele viu o que poderia acontecer e antecipou-se ao problema que outros poderiam trazer-lhe. Outro aspecto é o da fé inabalável e da sabedoria. Avram dá a Lot o direito de escolher a terra que melhor lhe parecesse a fim de ir para lá e cuidar de seu rebanho com todo o conforto e na abundância de pastos.

Apesar de Avram ter aberto mão de seu direito como ancião de dar a Lot uma ordem ele bem sabia que o Eterno estaria lhe dando aquilo que há de melhor! Avram abriu mão da escolha humana para poder permitir que o Eterno escolhesse por ele! Quando Avram fez isso permitiu ao Eterno que Sua escolha, seu desejo, sua vontade, se sobrepusessem àquilo que ele mesmo julgava ser bom!

Aqui o Eterno diz a Avram: “E disse o IHVH a Avram, depois que Lot se apartou dele: Levanta agora os teus olhos, e olha desde o lugar onde tu estás, para a banda do norte, e do sul, e do Oriente e do ocidente” (Gn 13.14). A palavra “levantar” em hebraico é nasa’ e significa erguer, carregar, tomar. O que o Senhor quis dizer com isso? Avram provavelmente olhava para baixo enquanto o Eterno falava com ele, e o Eterno precisava fazer com que Avram assumisse a postura correta: cabeça erguida a fim de receber aquilo que Ele lhe daria! O Senhor diz a Avram que apenas com seus olhos ele passeie pela terra! A terra que ele agora via lhe seria dada como herança perpétua! Por isso o Senhor lhe diz que seus olhos deviam ser erguidos pelos quatro quadrantes da terra: “e olha desde o lugar onde tu estás, para a banda do norte, e do sul, e do Oriente e do ocidente”. O lugar onde ele estava servia apenas de referencial a fim de contemplar os novos horizontes que lhe estavam sendo propostos pelo Eterno. É como se o Eterno chamasse suas promessas dos quatro cantos da terra e dissesse a Avram o seguinte: “Olha o que é teu e vai ao encontro de tua bênção!” Ele via, mas certamente não acreditava naquilo que contemplava! Tão imenso era o território que seus olhos se perdiam naquela bela paisagem! Mas não somente os olhos, como também o coração e seus pensamentos que divagavam e viam, num futuro não muito distante, as doze tribos de Jacó habitando na terra que seus olhos agora viam! Ele viu o que ninguém havia visto: “Por Pai de muitas nações te constituí, perante aquele no qual creu, a saber, Elohims, o qual vivifica os mortos e chama as coisas que não são como se já fossem” (Rm 4.17). Avram viu, pela fé, o futuro da promessa e da escolha que acabara de fazer!

O Eterno ainda diz assim a Avram: “Porque toda esta terra que vês, te hei de tar a ti, e à tua semente, para sempre” (Gn 13.15). Aquilo que Avram vira seria dado não somente a ele, mas também aos seus descendentes físicos, com quem o Eterno estaria aliançado para sempre. A ordem agora era: “Levanta-te e percorre essa terra no seu comprimento e na sua largura; porque a ti a darei” (Gn 13.17). Avram iniciaria um processo que conhecemos como “ato profético” onde, andando e percorrendo a terra ele estaria assim simbolicamente tomando posse daquilo que estava sendo prometido a ele! Hoje nós sabemos que tal ato profético surtiu efeito, pois a terra pertence ao povo de Israel, justamente por causa da obediência e do ato profético praticado por Avram!

Agora aparece uma outra figura, que até hoje continua sendo misteriosa para nós: o Rei de justiça! “E o Rei de justiça, rei de Salém, trouxe pão e vinho: e era este sacerdote de El Altíssimo” (Gn 14.1). O nome “Rei de justiça” é composto de melek – que em hebraico significa rei – e tsedek – que em hebraico significa justiça – sendo o significado de seu nome “Rei daquele que é justo” ou “Meu Rei é justo”. Outro aspecto interessante é que este homem era rei da cidade de Salém – nome que em hebraico significa “paz” – e esta cidade é identificada como a atual Jerusalém! Não nos parece significativo que Rei de justiça fosse rei de Jerusalém? Não é tremendo saber que ele é o rei de paz? Este homem, quando veio ao encontro de Avram trouxe consigo ainda dois elementos: pão e vinho! Justamente os elementos necessários para realizarem uma ceia juntos! E o ato de comer com alguém na Escritura é símbolo de manter-se comunhão com essa pessoa! Rei de justiça queria manter uma estreita comunhão com Avram, pois ele era o rei de paz, por isso precisava naquele momento manter com Avram um contato mais íntimo, e isso foi feito justamente à mesa, onde as pessoas costumam revelar-se, pois ali sentem-se mais à vontade!

O homem Rei de justiça era também sacerdote, e isso significa que ele mantinha um contato íntimo com D-us e era o representante legal do Eterno naquele momento na presença de Avram. O Rei de justiça era sacerdote de El Elyon – o D-us Altíssimo – justamente e coincidentemente o mesmo D-us que Avram adorava e com quem se relacionava! Isso nos mostra que já havia em Jerusalém a verdadeira adoração ao Eterno mesmo antes da chegada de Avram ali! Mas com que propósito ocorreu este encontro? “E abençoou-o, e disse: Bendito seja Avram de El Altíssimo, o Possuidor dos céus e da terra” (Gn 14.19). Novamente vemos aqui a manifestação do grande cuidado do Eterno para com seu povo: no capítulo 12 vimos que houve uma promessa do Eterno que Avram seria abençoado. Pois bem, o que fora prometido pelo Eterno agora torna-se realidade através de um sacerdote do Eterno! O que fora profetizado agora torna-se fato! Rei de justiça agora libera a palavra dizendo: barak amar barak! “…abençoou-o, e disse: Bendito” A palavra abençoar significa “dar poder para alguém ser próspero, bem sucedido e fecundo”; enquanto que a palavra disse significa ordenar, liberar uma palavra de ordem sobre”. O que aconteceu então? Rei de justiça deu poder a Avram para ser próspero, bem sucedido e fecundo, ordenando… “Bendito (abençoadoobservação nossa) seja Avram do D-us Altíssimo, o Possuidor dos céus e da terra”. O sentido é que o D-us Altíssimo, possuidor dos céus e da terra, tornasse Avram próspero, bem sucedido e fecundo! E ali estava o homem capaz de liberar esta palavra sobre Avram a fim de que essa promessa se tornasse fato na vida dele!

Qual foi o resultado deste encontro? “…E deu-lhe (Avram) o dízimo de tudo” (Gn 14.20).  A palavra dízimo em hebraico é ma’aser e significa justamente isso: a décima parte de algo que recebemos! Avram então deu a Rei de justiça o dízimo como forma de reconhecimento de que tudo vem do Eterno e que nós devemos novamente honrá-lo com os dízimos de tudo o que recebemos! No decorrer da história de Israel os dízimos serão usados para o sustendo dos sacerdotes e também para suprir as necessidades dos órfãos, das viúvas e dos desempregados que se achegavam aos sacerdotes.

Agora novamente há um diálogo entre o Eterno a Avram: “Depois destas coisas veio a palavra do IHVH a Avram em visão dizendo: Não temas Avram, eu sou o teu escudo, o teu grandíssimo galardão” (Gn 15.1). Vejamos o que o Eterno quis dizer a Avram. Ele diz que é o escudo de Avram. A palavra escudo em hebraico é magen e significa escudo. Este substantivo refere-se a um objeto que proporciona proteção ao corpo durante o combate. É o escudo pequeno (redondo) usado pela infantaria ligeira e pelos oficiais. A idéia transmitida aqui não é que a proteção sobre Avram seria pequena, mas sim que, como um oficial superior, Avram não estaria na frente de batalha correndo perigo de vida, e por isso mesmo sua proteção seria equivalente à sua posição em meio à batalha! Outra coisa interessante é que a palavra traduzida por “galardão” em hebraico é sakar e significa assalariar, soldo, salário. Isso nos dá a ideia de “contratar os serviços de uma pessoa em troca de pagamento”. O Eterno disse a Avram que o protegeria e que pelos serviços prestados à Ele (D-us) Avram seria pago com um alto salário! Veja a palavra “grandíssimo” que precede sakar dando-nos a ideia de que o que Avram haveria de receber não seriam migalhas, mas sim aquilo que o Eterno teria de melhor a fim de pagá-lo! Qual seria o melhor pagamento para Avram naquele momento? Isso foi justamente implícito na revelação do nome do Eterno que falou com ele como sendo “aquele que se torna naquilo que ele necessitava”. Ou seja, o pagamento que Avram receberia seria compatível com as suas necessidades do momento! Mas isso só foi possível devido a um aspecto: Avram foi obediente de forma incondicional ao Eterno em toda a sua vida!

Agora vem a promessa a Avram quanto à sua descendência: “…este não será o teu herdeiro; mas aquele que de tuas entranhas sair, esse será o teu herdeiro” (Gn 15.4). A palavra “entranhas” em hebraico é me’eh e aqui refere-se aos órgãos reprodutores, tanto do homem quanto da mulher. Está claro que Avram teria um filho que nasceria como conseqüência do uso de seus órgãos reprodutores! Ou seja, mesmo que houvesse qualquer impedimento natural, o Eterno estava afirmando que Avram teria um filho proveniente do esperma que procederia dele mesmo! Quando ele ouve esta palavra, algo acontece dentro do ser de Avram:E creu ele no IHVH, e foi-lhe imputado isso por justiça” (Gn 15.6). A palavra crer aqui vem do hebraico aman e significa confirmar, sustentar, estabelecer, ser fiel, estar certo, crer em. O resultado da palavra do Senhor na pessoa de Avram foi de que ele sentiu seus sentimentos sendo confirmados, achou sustentação para aquilo que estava em seu coração e teve seus pensamentos estabelecidos pelo Senhor. Isso levou-o a posicionar-se e ser achado pelo Eterno como alguém que estava na posição correta e poderia então receber aquilo que Ele D-us lhe prometera.

Finalmente, o Eterno sela esta relação com Avram de forma final: “Naquele mesmo dia fez o IHVH um concerto com Avram, dizendo: a tua semente tenho dado esta terra, desde o rio do Egito até ao grande rio Eufrates” (Gn 15.18). Aqui destacamos que houve uma promessa feita a Avram quanto à terra e o selo desta promessa foi um berith, que é uma aliança feita mediante o derramamento de sangue! O que nos interessa aqui é que este tipo de aliança feita com sangue não pode ser revogada, a não ser por uma superior aliança! Neste caso, não existe qualquer aliança superior à esta, pois ela foi feita pelo próprio D-us com Avram! Quando Ele fez o berith com Avram deu uma ordem dizendo: “…: a tua semente tenho dado esta terra”. A palavra semente é zera e significa semente, descendência. O termo nos fala sobre descendência física, e mais adiante veremos que este descendente é aquele filho de Avram que já foi prometido e com esse filho o Eterno estabeleceu sua aliança a fim de cumprir a promessa que fora feita a seu pai Avram!

É impressionante vermos através da história quão grande é a fidelidade do D-us Eterno para com seu povo! Todas as suas promessas foram cabalmente cumpridas, jamais esquecidas ou relegadas a um plano inferior dentro dos projetos do Senhor. D-us importou-se e importa-se com cada um dos nossos desejos e anseios. Por isso ele revelou-se como IHVH, aquele cujo nome é impronunciável, porém é também aquele que “se torna aquilo que precisamos em nossos momentos de dificuldades”. Já em seu nome, o Eterno revela o quanto nos ama e o quanto nos quer usar a fim de que os Seus propósitos, sonhos e desejos sejam estabelecidos na terra através de vidas que escolham, voluntariamente, obedecê-lo a fim de trazer à existência aquilo que é somente palavra revelada!

Assim foi com nosso pai Avram. Obedeceu, creu e pode ver uma pequena parcela daquilo que o Eterno ainda faria para Israel! Mas, perguntaríamos, qual foi a sua importância para nós hoje? Avram simplesmente foi usado a fim de recebermos uma das mais extraordinárias promessas bíblicas e que estabelece o padrão através do qual seremos tratados quando estivermos na posição correta: “E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei, e engrandecerei o teu nome e tu serás uma benção” (Gn 12.2). Já vimos que a força desta promessa no original é muito maior do que aquela que percebemos em português. Portanto tomemos posse daquilo que nos foi outorgado em Avram, sendo assim como ele obediente e paciente a fim de trazermos à existência e materializarmos todos os desejos e anseios do coração do Eterno para seu povo!

Mário Moreno.