Mário Moreno/ dezembro 11, 2017/ Artigos

Portal para infinito

A oração é um elemento essencial da religião. Os dias de Rosh Hashaná e Iom Kipur são dedicados a intensas preces. É o meio pelo qual o homem – ser finito – pode comunicar-se com o Criador Infinito do Universo.

Mas, se por um lado as orações são parte indispensável da religião, são também as que mais perplexos nos deixam. Por que seria necessário orar? Um D’s Onisciente certamente está ciente de todas as nossas carências e anseios. Ele sabe o que há em nosso coração e nossa mente; Ele não necessita de nossa intervenção para poder articular esses anseios. A Torá nos ensina: “O homem vê o exterior, porém o Senhor vê o coração” (Samuel 16:7). Qual, então, o propósito da oração?

A palavra hebraica para oração – tefilá – deriva de uma raiz que significa “juntar, unir”. A tefilá, portanto, serve para unir o homem a D’s. Através da oração, o indivíduo liga-se espiritualmente a D’s, e esta serve, portanto, como canal para invocar e irradiar as bênçãos divinas. O Zohar ensina que através do desejo de orar e da concentração ao fazê-lo, a pessoa pode vincular sua vontade a D’s. Fazendo-o, gera o poder de efetuar mudanças espirituais e físicas no mundo.

Isto ajuda a explicar por que a oração deve ser expressa através de palavras, e não apenas de pensamentos ou sentimentos. As palavras que saem de nossos lábios têm uma realidade física e tornam-se o instrumento através do qual o cumprimento espiritual da oração pode tornar-se real no plano físico. Os pensamentos e os sentimentos – por mais sagrados que possam ser – são realidades abstratas e espirituais. Um D’s Onisciente de certo é conhecedor de todas as orações feitas mentalmente. Mas, os resultados da oração são proporcionais ao recipiente no qual é apresentada: um recipiente espiritual gerado pela oração mental invocará uma resposta espiritual, mas esta não será manifestada em nível físico.(1)

O poder da oração é tão grande que, além de invocar as bênçãos divinas, pode desviar e até mesmo reverter decretos Celestiais desfavoráveis. O Midrash ensina: “A oração é poderosa porque pode desfazer um decreto Celestial” (2).
Mas como pode D’s Todo Poderoso alterar Seus próprios desígnios em virtude das palavras de um ser limitado, a quem Ele próprio criou e sustém? Certamente D’s não muda Suas decisões, como está escrito: “Porque Eu, o Senhor, não mudo” (Malaquias 3:6). Como, então, pode a oração anular um decreto Divino?

O verbo hebraico “orar” – lehitpalel – é um verbo reflexivo e deriva de uma raiz que denota julgamento. Orar corretamente é exercitar uma forma de introspecção, de auto-julgamento, da pessoa tomar conhecimento de suas falhas e dispor-se a melhorar. À medida em que se corrige, o homem se aproxima espiritualmente de D’s, mudando o grau de bênçãos que ele consegue gerar. Decretos Divinos desfavoráveis podem ser alterados e o homem pode se tornar merecedor de bênçãos Divinas. Portanto, esta reversão não se realiza através de D’s – já que D’s não muda – mas sim através do homem.

Alinhado com este conceito, há um tema básico e que se repete no Zohar: “uma comoção nos Céus é resposta a uma comoção na terra”. Isto significa que D’s “reage” de acordo com os atos dos homens. Um dos propósitos da oração é permitir que a pessoa perceba que não pode ir contra a vontade de D’s e, ao mesmo tempo, pedir para que Ele realize os seus próprios anseios. Segundo o Midrash, D’s diz ao povo judeu que se cumprirem Seus mandamentos, Ele ouvirá suas preces (3). As orações são ainda mais eficazes quando levam à teshuvá. Comumente mal traduzida, a palavra teshuvá não significa remorso ou arrependimento, mas sim o retorno de um indivíduo a Seu Criador. E o propósito da teshuvá é que a pessoa siga os mandamentos de D’s aproximando-se assim Dele.

Notas:

(1) Rabino J. Immanuel Schochet, em ‘The Mystical Dimension’, Vol. II, pp. 80;
(2) Bereshit Rabá 71:2;
(3) Midrash, Devarim Rabá 7:4;

Fonte: http://www.morasha.com.br/conteudo/ed30/portal.htm.