Mário Moreno/ abril 11, 2023/ Artigos

Sefirá haOmer Revelação e Luta

A cidade era cercada por um anel de colinas altas, escuras e arborizadas. Nuvens pesadas e úmidas pairavam sobre o vale estreito, não permitindo a passagem de um único raio de sol. Os habitantes da cidade nasceram, viveram – e morreram – no “vale de lágrimas”, como o lugar às vezes era chamado. Eles não tinham noção de que em algum lugar havia lugares felizes e iluminados pelo sol.

Mas, em um dia de primavera, um estranho maravilhoso vagou pelo vale escuro. Vendo sua vida atrofiada e sem alegria, ele lhes contou sobre sua terra natal: um lugar de sol, de ar puro, de alegria e música. Quase ninguém acreditava que realmente existisse tal lugar.

Certa manhã, pouco antes do raiar do dia, o estranho os levou até a beira do vale, e quando as brisas da madrugada afastaram as nuvens escuras, eles viram ao longe, como se iluminado por um relâmpago, um planalto verde – coberto no topo de um monte distante banhado pela luz do sol nascente.

“Essa é a terra para a qual eu os levarei”, gritou o homem maravilhoso para as pessoas atordoadas do vale.

A visão do sol e seus raios incutiram esperança no povo, e eles seguiram ansiosamente seu líder.

A jornada do vale escuro e úmido foi longa e traiçoeira. Havia terras desoladas, desertos arenosos, colinas íngremes para escalar. Ainda não havia sinal do maravilhoso monte que era seu destino.

De tempos em tempos, seu líder refrescava suas memórias, relembrando aquela manhã gloriosa em que eles viram o monte com seus próprios olhos. Nessas ocasiões, eles podiam “ver” novamente o topo do monte banhado pela luz do sol. E a lembrança deu-lhes a força e a fé para sustentá-los até aquele glorioso dia em que realmente estariam ao pé do monte.

O Vale Cósmico

Esta, dizem os mestres chassídicos, é a história de nossa vida diária: a luta constante, a cansativa subida pela escada da perfeição, desenvolvendo a matéria-prima de nosso ser; aproximando-se, mas nunca alcançando a totalidade. É uma escada cuja base está fixada no vale escuro de um mundo onde D’us esconde Sua face, e cujo degrau mais alto se estende até a fonte de luz.

E, no entanto, existem aqueles raros momentos de revelação. Momentos em que a face de D’us sorri através da neblina e vislumbramos a terra prometida que é o ápice de nossa jornada.

A história de nossa vida diária é a história de uma jornada feita na escuridão, a história de uma luta contínua com as forças da natureza dentro e fora de nós. Mas sem esses flashes do Alto – sem os raios de luz que afastam a escuridão, mesmo que apenas por um breve momento – não poderíamos sobreviver à tortuosa jornada e alcançar nosso objetivo final.

A Subida ao Sinai

O protótipo desta jornada, o modelo de nossa estada neste mundo, é a Sefirat HaOmer, a contagem de 49 dias dos dias de Pessach a Shavuot.

Por 210 anos nossos ancestrais viveram na escuridão. Escravizados pelos egípcios, a sociedade mais degradada que já existiu na face da terra, os filhos de Israel habitavam uma névoa espiritual que bloqueava todo vestígio de divindade manifesta.

Então, um dia, um estranho maravilhoso apareceu no meio deles. Ele falou com eles sobre uma promessa antiga, feita pelo D’us de seus pais, de que um dia eles deixariam este mundo sem sol. Ele falou sobre o topo de uma montanha na qual D’us se mostraria a eles, os levaria a Ele como Seu povo escolhido e concederia a eles Sua Torah, a revelação de Sua sabedoria e vontade. Ele falou de uma terra, banhada pela luz da providência divina, na qual eles cumpririam seu destino como “uma luz para as nações”.

Mas isso parecia pouco mais que uma fantasia. A escuridão de seu mundo parecia inexpugnável. Eles não tinham ideia de como era aquele lugar ao sol, muito menos de como chegar lá.

Então, ao bater da meia-noite na véspera da Páscoa, uma brecha se abriu nas nuvens de seu exílio, e eles contemplaram a face de seu Criador. Naquela noite, “o Santo, Bendito seja, revelou-se a eles e os redimiu”.

D’us, é claro, poderia simplesmente tê-los tirado do Egito e levado para o Monte Sinai naquela mesma noite. Mas Ele queria que fosse sua jornada, sua conquista. Assim, após aquela visão momentânea, a face de D’us recuou.

Então começou a árdua subida ao Sinai. Os judeus estavam fora do Egito, mas o Egito ainda estava profundamente enraizado nos judeus. Por sete semanas eles lutaram para refinar os sete traços de suas almas, para purificá-los da profanidade do Egito e torná-los candidatos dignos à escolha divina.

Isso foi algo que eles tiveram que conseguir sozinhos, na escuridão de suas deficiências e na frieza de sua alienação. Mas foi aquela visão inicial da luz divina que os inspirou, encorajou e conduziu em sua jornada.

A Contagem Anual

Todos os anos, na primeira noite da Páscoa, comemoramos os acontecimentos da noite do Êxodo. Por meio das observâncias do Seder, revivemos a visão libertadora que impulsiona nossa emergência anual de nosso “Egito” pessoal e nossa libertação interna “da escravidão para a liberdade, das trevas para uma grande luz”.

Mas a revelação do Êxodo é apenas um flash breve e momentâneo. No dia seguinte, começamos nossa jornada de 49 dias até o Sinai, reencenada a cada ano com a Contagem do Omer. Começando com a segunda noite da Páscoa, contamos os dias transcorridos desde o Êxodo, registrando os marcos e estações de nossa jornada de auto-refinamento.

O 50º dia é o festival de Shavuot, nossa reexperiência anual da entrega da Torah, quando mais uma vez estamos no Sinai para receber a comunicação de D’us sobre Sua sabedoria e vontade e para sermos escolhidos como Seu próprio “reino de sacerdotes” e nação santa”.

Tradução: Mário Moreno.