Mário Moreno/ janeiro 12, 2023/ Artigos

Simplesmente Qualificado

No início do livro do Êxodo, é importante refletir sobre o que catapultou Moshe da posição de cidadão valente a líder nacional. A história da juventude de Moshe no Egito dificilmente é exposta na Torah. Sim, conta a história de seu nascimento e sua fuga no rio Nilo. A Torah até menciona sua grande vigilância ao ferir um egípcio que feriu um hebreu. Mas, ao relatar essas histórias, não nos deixa com a sensação de que esses atos mereceram a ordenação divina. Conta a história de Moshe interrompendo uma briga entre dois companheiros hebreus e como ele foi forçado a fugir do Egito para o deserto de Midiã por causa de sua forte posição em castigar os judeus que brigavam. Todas essas histórias mostram perseverança, coragem e firmeza. No entanto, nenhum desses incidentes é justaposto com a revelação divina que catapulta Moshe para o grande líder espiritual e profético que conhecemos.

Mesmo após o evento em que ele salva as sete filhas de Yitro (Jetro) dos maus pastores, D’us fica em silêncio, não há pronunciamento da glória de Moshe ou nomeação de um papel divino. Hashem declara a grandeza de Moshe no contexto de uma história serena muito simples.

“Moshe estava pastoreando as ovelhas de Jetro, seu sogro, ele as guiou para o deserto e chegou à montanha de D’us em direção a Horeb. Um anjo de D’us apareceu a ele em uma chama de fogo do meio da sarça, e ele viu que a sarça estava queimando e a sarça não se consumia. Moshe olhou e analisou a visão e questionou: “por que a sarça não está sendo queimada?” (Êx 3:1-3). É somente naquele ambiente sereno que D’us gritou “Moshe, Moshe”, ao qual Moshe respondeu “Aqui estou”. O fim dessa história é o começo da nação judaica.

Por que o ato de pastorear ovelhas é cenário para tão majestosa e divina revelação? Que incidente surpreendente ocorreu durante o pastoreio? Por que D’us não apareceu a Moshe depois de seu ato corajoso de ferir o egípcio ou depois de repreender dois hebreus que estavam lutando? Esse cenário não seria o momento propício para a entrada nos salões da profecia e da liderança?

James Humes, redator de discursos do presidente Reagan, conta a história de um jovem recruta que foi convocado para o exército. Durante a entrevista, o sargento fez a seguinte pergunta: “Você teve seis anos de ensino fundamental?”

“Claro, senhor”, disparou o recruta. “Eu também me formei com honras no ensino médio. Fui para Yale, onde recebi meu diploma universitário e depois fiz minha pós-graduação na Universidade da Colômbia e”, acrescentou, “recebi meu doutorado em ciências políticas em Harvard”.

O sargento virou-se para a estenógrafa, sorriu e disse: “Coloque um cheque no espaço marcado como alfabetizado”.

O Midrash nos conta que durante o mandato de Moshe como pastor, uma das ovelhas fugiu. Ele perseguiu a ovelha, trouxe-a de volta para o resto do rebanho e levou-a para casa. D’us olhou para ele e disse: “Um homem que cuida de suas ovelhas cuidará de seu povo.” Esse ato catapultou Moshe para a posição que conhecemos.

Atos ousados e corajosos podem personificar liderança, caráter e comprometimento. As pessoas pensam que apenas aqueles atos galantes e ousados os catapultarão para a grandeza e a glória. A Torah nos diz que não é assim.

A Torah vincula a seleção de Moshe à liderança divina com a simples tarefa de pastorear. As qualificações que D’us deseja não são necessariamente o que os humanos percebem. Muitas vezes procuramos honras, elogios, conquistas e realizações que são quase sobre-humanas. Hashem, por outro lado, valoriza o pastoreio simples. Ele ama o cuidado e a preocupação com os judeus simples. Podemos ir a Ele com risumis de brilhantismo, de coragem, de valor, mas Ele não precisa disso. Ele quer consistência, amor, compaixão e, talvez acima de tudo, humilde simplicidade.

Moshe também tinha essas qualidades. Foram essas qualidades de compaixão, não as qualidades enérgicas de atacar o capataz egípcio, nem afastar pastores maus, nem castigar hebreus combativos, que foram escolhidas para lançar Moshe à luz da liderança. Podemos ser ousados e corajosos, mas sem compaixão pelas pequenas coisas, sem a humildade para encontrar ovelhas perdidas, podemos ser simplesmente superqualificados.

Tradução: Mário Moreno.