Uma Deliciosa Oferenda

Mário Moreno/ julho 2, 2021/ Shabat

Uma Deliciosa Oferenda

Este é um artigo traduzido e que nos relata um conto acerca do shabat, especialmente da chalá – o pão do shabat. Vale a pena ler e entender os caminhos que o Eterno tem não somente para abençoar seu povo mas também para demonstrar a grandeza de Seu Nome e Seu poder.

Uma linda história é relatada em vários livros judaicos sobre um incrível episódio acontecido em Tsefat no século XVI.

O Rabino Moshê Hagiz escreveu no seu livro Mishnat Chachamim que ouviu esta história de pessoas confiáveis em Tsefat, que estavam presentes quando este episódio aconteceu.
Um judeu simples de Portugal mudou-se para a cidade sagrada de Tsfat em meados do século XVI. Ele se sentia extremamente feliz por, enfim, poder praticar livremente o judaísmo autêntico de seus antepassados – o que era impossível na sua juventude.
Anos mais tarde, ele ouviu uma interessante palestra proferida pelo rabino da sinagoga que frequentava. A palestra tratava do “lêchem hapanim”, uma oferenda de doze pães que era oferecida todos os sábados quando existia o Templo Sagrado de Jerusalém. Após explicar as diversas leis sobre esta oferenda e falar sobre seu significado místico, o rabino suspirou profundamente e lamentou que, devido a nossos pecados, não possuímos mais esta forma de agradar a D’us, já que o Templo foi destruído.
Essas palavras tocaram profundamente o coração do judeu. Chegando em casa, ele pediu a sua esposa que preparasse duas chalot especiais na sexta-feira. Ele lhe contou todos os detalhes dos quais se recordava da palestra sobre o “Lêchem hapanim“. Ela deveria peneirar a farinha treze vezes, sovar em seu período de pureza e assar muito bem a massa no forno da casa.
Ele disse que gostaria de levar estes pães como uma oferenda a D’us. Sua esperança era de que Ele os considerasse uma oferenda aceitável, e os comesse.
Sua esposa obedeceu seu pedido fielmente.
Naquela tarde de sexta-feira, quando normalmente não havia ninguém na sinagoga, o homem levou os pães sob seu casaco. Ele rezou e suplicou para que D’us aceitasse sua oferenda, comesse e aproveitasse o pão assado fresquinho e delicioso. Com súplicas emocionadas, ele pediu o perdão do Criador como um filho pede o perdão de seu pai após um grave erro.
Em seguida, colocou os pães cobertos na arca sagrada, entre os rolos da Torá, e partiu rapidamente para casa.
Mais tarde, o shamash – funcionário que cuida da sinagoga – chegou para terminar os preparativos da sinagoga para o Shabat sagrado.
Uma de suas tarefas era verificar que os rolos da Torá estivessem na posição correta da leitura da manhã seguinte. Quando abriu a arca, surpreendeu-se ao ver um pacote dentro da arca. Abriu-o e viu duas lindas chalot! Ele não tinha a mínima ideia de onde vinham as chalot, mas também não ficou pensando muito sobre isso. Decidiu simplesmente levá-las para casa e comê-las. Afinal de contas, elas pareciam estar uma delícia!
E estavam, de fato, deliciosas. O shamash ficou muito satisfeito com este “benefício” de seu posto de trabalho.
Naquela noite, o simples judeu esperou impacientemente até que a reza terminasse.
Quando todos já haviam deixado a sinagoga, ele se aproximou da arca sagrada. Seu corpo tremia. Com grande tensão, abriu as portas da arca e… os pães não estavam mais lá! Ele ficou exultante de tanta satisfação! Correu para casa para dividir a alegria com sua esposa. Inocentemente, deduziu que D’us não havia menosprezado o pequeno esforço de pessoas tão insignificantes como eles. De fato, Ele aceitara os dois pães e comera-os quando ainda estavam quentinhos!
– Querida! – ele exclamou para sua esposa animado. – Não sejamos preguiçosos! Não temos outra forma tão eficiente de honrá-Lo. Ele gosta de nosso pão! Devemos tentar dar este prazer para Ele a cada semana, com o mesmo cuidado e devoção da primeira vez. A mulher ficou maravilhada com a alegria e dedicação do marido, e decidiu continuar cooperando gentilmente.
Todas as sextas-feiras pela manhã, ela preparava, conforme haviam combinado, dois bonitos pães. Tomava bastante cuidado com cada detalhe, do maior ao menor. A cada tarde de sexta- feira, o marido os levava à sinagoga e rezava com grande fervor, suplicando a D’us para que os aceitasse.
Por sua vez, todas as sextas-feiras, o shamash da sinagoga chegava alegremente e comia as deliciosas chalot. E, como sempre, toda sexta-feira à noite, o judeu de Portugal informava a sua esposa com muita alegria que, mais uma vez, sua humilde oferta fora aceita.
Isso continuou acontecendo por semanas, meses e por alguns anos.
Numa certa sexta-feira, o rabino da sinagoga permaneceu na sinagoga até mais tarde do que o horário habitual. Era o mesmo rabino que havia falado sobre o lêchem hapanim que tanto inspirara o simples judeu. Ele estava revisando o sermão que preparara para o dia seguinte quando, para sua surpresa, avistou um dos congregantes entrar carregando dois pães. O homem não havia notado sua presença. Ele foi até a arca e colocou os pães lá dentro. Depois, proferiu preces fervorosas para que D’us aceitasse sua oferta e se deliciasse com as chalot.
O rabino escutou tudo e ficou surpreso. Num primeiro instante, permaneceu em silêncio. Mas, quando finalmente entendeu o que estava acontecendo, ficou furioso. Não conseguindo mais se conter, gritou:
— Pare! Seu tolo! Como você pode pensar que D’us come e bebe? É um pecado terrível atribuir qualidades físicas e humanas ao D’us Todo-Poderoso! Você acredita realmente que é D’us quem come seus miseráveis pães? Seguramente deve ser o shamash que as está comendo!
Os dois permaneceram por algum tempo ainda na sinagoga, esclarecendo toda a história. Enquanto ainda estavam conversando, o shamash entrou no recinto sagrado. Esperava inocentemente pegar “suas” chalot, como de costume. Ele ficou um tanto surpreso ao ver o rabino e outra pessoa naquele horário. O rabino disse-lhe, imediatamente:
– Diga a este homem por que você veio aqui agora, e quem pega as duas chalot que ele traz toda semana.
O shamash logo admitiu ser o beneficiado. Não se sentiu nem um pouco envergonhado. Mas ele não entendeu por que o rabino estava tão agitado. Por que estava gritando com aquele homem tão abatido. O shamash sabia que o simples judeu era ignorante, porém honesto e sincero.
Conforme o rabino continuava com sua repreensão, o homem começou a chorar. Ele estava arrasado. Não só por não haver feito mitsvá nenhuma. Mais ainda, por ser aparentemente culpado de um grande pecado. Ele pediu perdão ao rabino por ter entendido mal sua aula sobre o lêchem hapanim e implorou para que ele o perdoasse. Saiu da sinagoga envergonhado e desesperado. Como ele podia estar tão enganado? O que deveria fazer agora?
Naquela época, vivia em Tsfat o famoso sábio Ari Hacadosh — Rabi Yitschac Luria (1534-1572) — o maior sábio cabalista conhecido dos últimos séculos.
Pouco tempo depois deste episódio, um mensageiro do Ari Hacadosh entrou na sinagoga e aproximou-se do rabino. Em nome de seu mestre, ele disse ao rabino que fosse para casa despedir- se de sua família e preparar-se; pois na hora designada para seu sermão no dia seguinte, sua alma já teria partido para seu descanso eterno. Assim fora anunciado nos Céus.
O rabino não podia acreditar no que acabara de ouvir. O discípulo do Ari Hacadosh também não conseguia explicar o motivo do decreto.
Atormentado, o rabino foi conversar diretamente com o sábio, que confirmou a mensagem e adicionou, com grande delicadeza:
— Isto foi decretado porque você interrompeu uma satisfação de D’us. Uma satisfação que Ele não tinha desde o dia em que o Templo Sagrado foi destruído. Era isso que Ele sentia quando o inocente judeu português levava suas preciosas chalot até a sinagoga todas as semanas. Ele as oferecia para D’us constantemente do fundo do coração, com alegria e admiração. Acreditava que D’us as tivesse comido, até que você destruiu tudo isso.
O rabino, triste, foi para casa e contou o que havia acontecido para sua família. Na manhã seguinte, na hora do sermão, sua alma já havia partido e ouvia Torá na Academia Celestial, exatamente como o Ari Hacadosh dissera.

Adaptado por Yerachmiel Tilles, baseado em “Mishnat Chachamim”.

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