Atingindo a sujeira

Mário Moreno/ janeiro 14, 2024/ Artigos

Atingindo a sujeira

Há uma certa sensibilidade demonstrada na porção desta semana que serve de lição para a humanidade.

As duas primeiras das 10 pragas que se abateram sobre o Egito evoluíram em torno da água. Na primeira praga, as águas do Egito transformaram-se em sangue. A segunda praga fez com que sapos emergissem da água. Para gerar esses eventos milagrosos, a equipe de Moshe atingiu as águas. Moshe, porém, não atingiu a água. Foi-lhe dito que seu irmão Ahron deveria ferir. Afinal, quando era uma criança de três meses, as águas do Nilo eram o refúgio de Moshe, pois ele estava escondido em uma cesta de junco dos soldados do Faraó que estavam afogando todos os judeus do sexo masculino. Não seria apropriado que alguém que foi salvo pela água atingisse-a.

A próxima praga, os sapos, emergiram da terra. Depois de atingir a terra com seu cajado, surgiram sapos, afligindo todo o Egito. Novamente foi dito a Moshe que não fosse o agente da transmutação. Afinal, ele devia estar grato à terra que escondeu o egípcio que ele matou.

É claro que os grandes especialistas em ética derivam do comportamento de Moshe a importância da gratidão. “Imagine”, eles apontam, “Moshe teve que se abster de bater em objetos inanimados porque foi salvo por eles anos atrás! Quanto mais devemos mostrar gratidão aos seres vivos que têm sido nossos veículos de boa sorte.”

Tais morais merecem uma homilia para si mesmas, e há inúmeras histórias de gratidão que acompanham tais ensaios. No entanto, estou incomodado com a simplicidade dessa mensagem e com as derivações que a ela conduzem. Por que golpear a água ou a terra é uma demonstração de ingratidão? Não foi a vontade de Hashem converter o pó e as águas? Não seria uma grande elevação para essas águas ou para o pó ser transformado em componentes mais elevados da glória de D’us? Sendo esse o caso, não seria muito apropriado que Moshe fosse escolhido para elevar águas simples ou sujeira humilde em objetos que declaram a presença aberta de um Criador Todo-Poderoso que grita junto com seu humilde servo: “Deixe meu povo me servir”?

O rabino Nosson Schapira de Cracóvia (1585-1633) contou certa vez sobre seu caso mais difícil.

Um rico empresário de Varsóvia fazia negócios todos os meses no mercado de Cracóvia. Em cada visita, ele notava uma viúva extremamente piedosa, aconchegada perto de sua cesta de bagels, recitando Salmos. Ela só tirava os olhos do desgastado livro de orações para vender um bagel ou um pãozinho. Após a venda, ela dava ao cliente uma miríade de bênçãos e imediatamente voltava às páginas desgastadas de seu livro de orações, envernizadas com lágrimas e devoção.

Ao observá-la todos os meses, o empresário de Cracóvia chegou a uma conclusão. “Esta mulher piedosa não deveria ter que lutar para ganhar a vida. Ela deveria ser capaz de prosseguir com suas orações e piedade sem preocupações.”

Ele se ofereceu para dobrar seus ganhos mensais com uma condição: ela deixaria o negócio de bagels e passaria seu tempo a serviço do Senhor. A mulher, com lágrimas de alegria escorrendo pelo rosto, aceitou a generosa oferta e agradeceu ao gentil homem com louvor, gratidão e bênçãos.

Um mês depois, quando o homem regressou a Cracóvia, ficou chocado ao encontrar a mulher no seu lugar habitual, misturando o doce cheiro dos bagels com as doces palavras de Tehilim. Assim que ele se aproximou, a mulher lhe entregou um envelope. “Aqui está o seu dinheiro. Eu pensei sobre isso, não posso aceitar sua oferta”.

“Um acordo é um acordo”, exclamou ele. “Precisamos ver o Rabino Schapira!”

Depois que o empresário apresentou seu caso, a mulher falou. “A razão pela qual este homem generoso se ofereceu para me apoiar foi para me ajudar a crescer em minha espiritualidade e devoção. Desde o dia em que deixei meu negócio de bagels, só caí. Deixe-me explicar.

“Todos os dias que chovia, eu pensava nos agricultores que plantaram o trigo para os meus bagels. Eu cantava louvores à glória da chuva enquanto sentia a orientação pessoal de Hashem a cada gota de chuva. Quando o sol brilhasse, eu agradeceria mais uma vez a Hashem por deixar os agricultores colherem com bom tempo. Quando moía a farinha e depois a peneirava novamente, encontrava inúmeros motivos para agradecer ao Todo-Poderoso. Quando o pão assasse e ficasse dourado, eu agradeceria a Hashem pela beleza do produto e pela sua venda doce. E quando um cliente chegasse, eu agradeceria a Hashem por enviá-lo e então abençoaria meu patrono também! Agora que tudo isso acabou, não quero fazer parte de uma vida simples, com todas as despesas pagas.”

Moshe tinha uma relação muito pessoal com a água e o pó. Cada vez que via o Nilo ou pisava no chão, ele se lembrava dos veículos de sua boa sorte e os usava para louvar Hashem. Sangue, sapos e piolhos são certamente milagrosos, mas não foram a salvação pessoal de Moshe. Golpear a água ou a terra pode ter produzido grandes milagres nacionais, mas Moshe ficaria sem a simples sujeira que rendeu pilhas de elogios pessoais. Quando alguém deixa de se maravilhar com um grão de poeira e escolhe se concentrar em enormes montanhas, ele pode nunca ter sucesso. Ele só pode morder a poeira.

Tradução: Mário Moreno

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