Três níveis de liderança
Três níveis de liderança
“Uma das primeiras coisas que nós, judeus, fizemos juntos como povo foi cantar.”
O que é liderança?
Esperamos que os nossos líderes sejam sábios: sejam capazes de discernir o certo do errado e de tomar as decisões adequadas sobre questões que afetam as nossas vidas. Para nos fornecer uma visão de onde estamos e para onde estamos indo, e nos guiar para a realização de nossos objetivos.
Esperamos que os nossos líderes sejam atenciosos e empenhados: tenham empatia com as nossas necessidades e aspirações e dediquem-se à sua realização.
Esperamos que os nossos líderes sejam fortes: calmos e decididos em tempos de crise, guerreiros e diplomatas capazes na prossecução dos nossos objetivos.
Esperamos que os nossos líderes sejam indivíduos de elevado carácter moral e íntegro, portadores de um padrão ético a ser imitado por jovens e idosos.
…a função mais importante…do líder é nos unir…em um único povo…
Mas a função mais importante (e provavelmente a mais negligenciada) do líder é unir-nos: unir diversos indivíduos num único povo e inspirar vontades diversas – e muitas vezes conflitantes – para se unirem num destino comum.
Um refrão em três versões
A nação de Israel nasceu no dia 15 de Nissan no ano 2.448 da criação (1.313 AEC) – o dia em que D’us “extraiu uma nação das entranhas de uma nação”, (Dt 4:34) libertando os filhos de Israel da escravidão egípcia. Sete dias depois, os israelitas testemunharam a destruição dos seus antigos escravizadores quando o Mar Vermelho se dividiu, para lhes permitir a passagem e afogaram os egípcios que os perseguiam. A Torah relata como, ao contemplar o grande milagre:
Moshe e os filhos de Israel cantaram esta canção a D’us, dizendo:
Cantarei a D’us porque Ele é o mais exaltado;
Cavalo e cavaleiro Ele lançou ao mar.
D’us é minha força e canção; Ele é minha salvação
Este é o meu D-us, e eu O glorificarei
O D-us de meus pais, e eu O exaltarei... (Êx 15:1-20)
Esta canção, conhecida como Shirat HaYam – “Canção no Mar” – continua descrevendo os grandes milagres que D’us realizou para Seu povo, a promessa de D’us de trazê-los para a Terra Santa e revelar Sua presença entre eles no Beit HaMikdash (Templo Sagrado) em Jerusalém e o objetivo de Israel de implementar a soberania eterna de D’us no mundo. Seus quarenta e quatro versos expressam a essência de nosso relacionamento com D’us e nossa missão na vida e, portanto, ocupam um lugar muito importante na Torah e na vida judaica.
[A Canção do Mar é recitada diariamente nas orações da manhã. O Shabat anual em que esta canção é lida na sinagoga como parte da leitura semanal da Torah de Beshalach recebe o nome especial de Shabat Shira, “O Shabat da Canção”.]
Nossos sábios também se concentram na linha introdutória da Canção do Mar, na qual a Torah a apresenta como uma canção cantada por “Moshe e os filhos de Israel”. Moshe era obviamente um dos “filhos de Israel”, então o fato de que a Torah o destaca implica que Moshe assumiu um papel de liderança na composição e entrega desta canção. Na verdade, a natureza do papel de Moshe é um ponto de muita discussão entre os nossos sábios: o Talmud (Sota 30b) relata nada menos que três opiniões diferentes sobre como exatamente Moshe liderou seu povo em seu cântico de louvor e ação de graças a D’us.
De acordo com o Rabino Akiva, foi Moshe quem compôs e cantou o Shirat HaYam, enquanto o povo de Israel apenas respondeu a cada verso com o refrão “Eu cantarei a D’us”. Moshe cantou: “Pois Ele é o mais exaltado”, e eles responderam: “Eu cantarei a D’us” Moshe cantou: “Cavalo e cavaleiro Ele lançou no mar”, e eles responderam: “Eu cantarei a D’us” e assim por diante com todos os quarenta e quatro versos da música.
Rabino Eliezer, no entanto, é da opinião que o povo repetiu cada verso depois de Moshe: Moshe cantou: “Cantarei a D’us porque Ele é o mais exaltado”, e eles repetiram: “Cantarei a D’us porque Ele é o mais exaltado”; Moshe cantou “Cavalo e cavaleiro Ele lançou no mar”, e eles repetiram: “Cavalo e cavaleiro Ele lançou no mar”, e assim por diante.
…todo o povo de Israel cantou a música inteira juntos.
Uma terceira opinião é a do Rabino Nechemiah: segundo ele, Moshe simplesmente pronunciou as palavras iniciais do cântico, após o que o povo de Israel cantou todo o cântico juntos. Em outras palavras, cada um deles, por si só, compôs os — e exatamente iguais — quarenta e quatro versos!
Envio, Identificação…
Estas três versões de como Moshe liderou Israel através da canção expressam três perspectivas diferentes sobre a unidade, particularmente a unidade alcançada quando um povo se reúne sob a liderança do seu líder.
O Rabino Akiva descreve um ideal em que um povo abnega completamente a sua individualidade em favor da identidade coletiva encarnada pelo líder. Somente Moshe cantou a gratidão da nação a D’us, sua experiência de redenção e sua visão de seu futuro como povo de D’us. O povo não tinha mais nada a dizer como indivíduos, exceto afirmar seu consentimento unânime ao que Moshe estava expressando.
À primeira vista, isto parece o máximo em unidade: mais de dois milhões de corações e mentes cedendo a um único programa e visão. O rabino Eliezer, no entanto, argumenta que esta é apenas uma unidade superficial – uma unidade externamente imposta do momento, em vez de uma unidade interna e duradoura. Quando as pessoas deixam de lado os seus próprios pensamentos e sentimentos para aceitar o que lhes é ditado por uma autoridade superior, elas estão unidas apenas em palavras e ações; seu eu interior permanece diferente e distinto. Tal unidade é inevitavelmente de curta duração: mais cedo ou mais tarde, as suas diferenças intrínsecas e contra-objetivos irão afirmar-se, e fissuras aparecerão também no seu exterior unânime.
Assim, diz o Rabino Eliezer, se o povo de Israel alcançou a verdadeira unidade sob a liderança de Moshe no Mar Vermelho, então deve ter acontecido desta forma: que o povo de Israel repetiu cada versículo que saiu dos lábios de Moshe. Sim, todos eles se submeteram à liderança de Moshe e viram nele a personificação da sua vontade e objetivos coletivos, mas não foram suficientes com uma afirmação “cega” da sua articulação do cântico de Israel. Em vez disso, repetiram-na depois dele, passando-a pelo crivo da sua própria compreensão e sentimentos, encontrando as raízes para uma declaração idêntica na sua própria personalidade e experiência. Assim, as mesmas palavras assumiram dois milhões de nuances de significado, à medida que foram absorvidas por dois milhões de mentes e articuladas por dois milhões de bocas.
Esta, afirma o Rabino Eliezer, é a unidade última. Quando cada um repete sozinho os versículos proferidos por Moshe, relacionando-os à sua maneira individual, a visão singular de Moshe penetrou no ser de cada indivíduo, unindo-os tanto na palavra como na essência.
… e Unidade
O rabino Nechemiah, porém, ainda não está satisfeito. Se Israel repetisse esses versículos depois de Moshe, argumenta o rabino Nechemiah, isso implicaria que seu canto não provinha da parte mais profunda de si mesmo. Pois se o povo fosse verdadeiramente um com Moshe e sua articulação da quintessência de Israel, por que precisariam ouvir o cântico dos seus lábios antes de poderem cantá-lo?
Se não fosse por sua liderança, eles não poderiam ter superado… o egoísmo…
Não, diz o Rabino Nechemiah, a forma como aconteceu foi que Moshe pronunciou as palavras iniciais da canção, após o que cada judeu, incluindo “a criança no seio da sua mãe e o feto no útero”, cantaram eles próprios a canção inteira. Na verdade, foi Moshe quem alcançou a unidade de Israel, como evidenciado pelo fato de que o seu cântico não poderia começar até que ele cantasse as suas palavras iniciais. Se não fosse por sua liderança, eles não poderiam ter superado o egoísmo que mancha a superfície de cada personagem. Se o povo de Israel não tivesse abnegado a sua vontade em relação à dele, não poderia ter descoberto o âmago singular das suas almas. Mas uma vez que assumiram esse compromisso, uma vez que responderam inequivocamente às palavras iniciais de Moshe, cada um concebeu e articulou de forma independente a mesma experiência do momento histórico em que se encontravam.
Cada judeu, desde o sábio octogenário até o feto, expressou seus sentimentos e aspirações mais profundos com as mesmas 187 palavras. Pois em Moshe eles tinham um líder em quem a alma de Israel era uma.
Moshe é Israel e Israel é Moshe.… Pois o líder da geração é como toda a geração, pois o líder incorpora todos eles (Rashi, Nm 21:21).
Tradução: Mário Moreno.