Os sete céus

Mário Moreno/ fevereiro 23, 2018/ Artigos

Os sete céus

Em Gênesis está escrito: Iehi Rakiá – “Haja um firmamento no meio das águas” (5). A palavra hebraica “Iehi – Haja” possui o valor numérico (guimátria mispar katan) igual a 7 (sete). Daí se deduz, que foram criados Sete Céus.

Sonhei que estava em uma floresta maravilhosa, repleta de árvores das mais variadas espécies. O som de pássaros silvestres gerava um ambiente de paz e harmonia. Caminhava entre os arbustos sem conseguir encontrar a saída.

Um lindo pôr-do-sol já se apresentava diante das distantes montanhas. Repentinamente, surgiu uma pequena clareira com uma cabana ao seu centro.  Ela estava próxima a um riacho onde corriam lentamente águas límpidas e cristalinas. Podia-se ver ao fundo, peixes dos mais notáveis tipos.

Aproximei-me cuidadosamente da casinha. Ao lado, havia uma árvore majestosa com frutos suculentos.

Pela janela avistava uma pequena vela com uma luz intensa, porém suave, que iluminava o seu interior irradiando a luminância para fora. Percebi alguém se aproximando. Era um senhor idoso com uma barba branca e longa, segurando em sua mão direita, um imponente cajado.

Sua aparência era angelical. De seu delicado rosto surgiu, um sorriso muito amistoso. Curvou levemente a cabeça e disse:

– Que a paz esteja contigo meu filho.

Convidou-me a entrar. Agradeci sua gentileza e aceitei.

Tratava-se de um local muito simples. Existia uma pequena mesa com cadeiras rústicas de madeira. Um fogão a lenha ao lado de uma chaminé aquecia o local, já que a temperatura externa caia muito.

Apesar da simplicidade da cabana, havia um aposento anexo com uma biblioteca singular de livros antigos e raros, com caracteres em hebraico.

Ofereceu-me uma deliciosa refeição acompanhada de palavras maravilhosas.

As horas passavam como se fossem minutos. Um repositório de sabedoria saia de sua boca. Tratava-se de um sábio judeu devoto e temente a D-us, que habitava um abençoado lugar. De fato, era um paraíso.

Perguntei:

– Onde estou?

“Você está em um dos Céus”, foi a resposta.

Continuei:

– Há quanto tempo vive aqui?

Ele Respondeu:

“O tempo neste local não corre como no mundo terreno. Alguns minutos neste Céu podem representar anos lá embaixo”.

– Por que estou aqui? Afinal, este local aparenta ser o mundo terreno.

– Ele sorriu e disse: Os caminhos do Eterno são perfeitos. Você está aqui porque fui incumbido de lhe revelar algo. Por favor, preste atenção em minhas palavras:

No relato da Criação do mundo, encontramos na Torá: “No princípio criou D-us os Céus e a terra” Bereshit – Gn 1:1). O Talmude (2) Chaguigá 12b, expõe o seguinte: Embora de acordo com a ordem relatada na Criação dos Céus, eles tenham sido criados antes do que a terra, a Guemará lembra que a Torá descreve os detalhes da terra antes de descrever os da Criação dos Céus – “A terra era sem forma e vazia (…)” Bereshit –  Gn 1:2.

Através de uma metáfora, a Guemará explica a razão por que a terra é considerada mais louvável do que os Céus, já que inicialmente D-us citou as particularidades a respeito da terra.

Como é sabido, não é natural a maneira da terra agir com prontidão e respostas rápidas. Se plantar hoje, a colheita se dará após um bom tempo.

Entretanto, no momento da Criação, a terra se mostrou muito rápida com relação aos seus produtos

-“Produza a terra relva – erva que dá semente; árvore de fruto que dá fruto de sua espécie, cuja semente esteja nele sobre a terra, e assim foi!

E produziu aterra – erva que dá semente de sua espécie – e árvore que dá fruto, que contém sua semente segundo sua espécie, e viu D-us que era bom” Bereshit – Gn 1:11-12.

O Rabino Shlomo ben Itzchak (Rashi), um dos maiores comentaristas da Torá explica: “Todos os atos no nível terreno são muito lentos, enquanto no mundo celestial eles ocorrem de maneira rápida”.

Em Gênesis está escrito: Iehi Rakiá – “Haja um firmamento no meio das águas” Bereshit – Gn 1:6. A palavra hebraica “Iehi – Haja” possui o valor numérico (guimátria mispar katan) igual a 7 (sete). Daí se deduz, que foram criados Sete Céus.

ossos sábios ensinam que apalavra Shamaim (Céus) é a união de outras duas; Esh (fogo) e Mayím (água), já que nos Céus encontramos o fogo (raios) e a água (chuvas). Também a palavra pode significar “carrega água” ou “ali há água”.

O sábio judeu Kalonymos ben Kalonymos compara o mundo terreno a um vasto mar. Um pequeno barco vagante, chamado Homem, embora frágil, navega de forma perfeita.O que o impulsiona até o local de destino através das tempestades e rotas incertas?

Responde Kalonymos: É o poder de D-us que dirige o seu caminho.

Qual é a mercadoria da embarcação? São as boas e más ações que cada homem deve levar consigo até os Céus. E conforme descarrega seu fardo, o Altíssimo observa sentado, majestosamente, em Seu Trono de Julgamento, cercado pelas hostes do Céu. Ele examina a carga da embarcação e a pesa nos pratos da balança da Justiça.

O Céu, assim como o que circunda o ser humano e seu universo por todos os lados, tornou-se naturalmente, a morada de D-us. O Rei Salomão disse: “Mas porventura habitará D-us na Terra? Eis que os Céus, e até o Céu dos Céus, não podem Te conter, quanto menos esta casa que construí!”.

O homem volta-se para o Céu em suas orações ou “ergue para o Céu suas mãos”. O Céu tornou-se sinônimo de D-us, em expressões tais como: “o temor aos Céus”, “o amor ao Céu”, “(…) está rodeado o D-us do Céu por Sua corte” ou “o reino do Céu”.

Saiba meu filho, que a terra repousa sob sete pilares. Estes são os Sete Céus que estão entre nós e o Trono da Glória do Altíssimo.

Há muito, como resultado dos nossos pecados, o Eterno removeu Sua Presença Divina (Shechiná) da terra a partir de um Céu para o outro, até chegar ao Seu Trono, oito níveis de distância.

É sabido que após o dilúvio – Bereshit – Gn 8:20, Noé (Noach) trouxe oferendas queimadas (Olot). O valor numérico (guimátria) da palavra Olot é igual a 500. O Midrash explica que a Torá escreveu a palavra Olot sem a letra “vav“, especificamente para atingir o valor numérico de 500, por ser 500 anos a distância do primeiro Céu à terra e entre cada um dos Sete Céus.

Em outras palavras, explica o Rabino Yehoshua ibn Shuiv, que Noé trouxe oferendas queimadas (Olot), cujo valor numérico é igual a 500, porque tinha dúvidas se após o dilúvio, mesmo D-us vendo todos os atos perversos que o homem havia feito, ainda assim, Ele tinha mantido a distância original da criação entre o Céu e a terra (500 anos).

É também por isso, que os malvados egípcios foram atingidos com 500 pragas, conforme descrito na Hagadá de Pessach. Note que o valor numérico (guimátriakolel) da sigla em hebraico para as pragas – “detzach adash b’achav” – também totalizam 500.

Sabemos que o universo espiritual em que vivemos, inclui os Sete Céus e a “terra” abaixo deles. De acordo com a descrição do Talmude, de cada Céu e sua função, podemos conceber cada um dos Sete Céus como os níveis de consciência Divina, que através da meditação podemos nos elevar para aperfeiçoar o entendimento de D-us e de nossa união com Ele.

O Alter Rebe – Tanya (Shaar Hayichud cap. 12 – explica que os Céus como um todo, foram criados, vivem e existem através das palavras agregadas da asserção: “Que haja um firmamento (…)” e cada ser particular que se criou nos Sete Céus, foi criado, vive e existe através das combinações das letras destas palavras ou suas substituições e transposições, de acordo com a qualidade da força daquela criatura particular.

Estava fascinado com a bondade e erudição do sábio judeu. Ele me disse:

– Preste atenção meu querido naquilo que vou lhe revelar:

Saiba que cada Céu está em um nível mais elevado do que o outro. Sobre a terra, entretanto, ergue-se uma escada e a sua extremidade superior alcança o primeiro Céu. E de escada em escada subimos de Céu em Céu, até em ordem crescente, alcançarmos os Sete Céus que são:

OS SETE CÉUS

Primeiro Céu: 1 – Vilon, Shamaim ou Yeriot – (Cortina ou Tenda)

Lá se encontra a Arca do Pacto celestial que ilumina o mundo. Ao amanhecer, como uma cortina que se abre, permite que a luz do dia comece a brilhar, e a noite, ela se fecha impedindo a luz do sol de chegar a terra. Desta maneira, este Céu renova a cada dia o trabalho da Criação.

Temos: “(…) a Arca de D-us mora entre cortinas (Yeriot)” 2 Shmuel (II Sm) 7:2 ou “Ele, que estende os Céus como uma cortina e os molda como uma tenda” Yeshaiáuhu – Is 40:22.

Em Vilon, podemos aperfeiçoar a nossa experiência de D-us na contínua recriação de tudo o que existe.

Segundo Céu: 2 – Rakiá – (Firmamento ou Expansão)

Em Rakiá o sol, a lua, as estrelas e as constelações estão suspensos. Temos “Haja um firmamento (Rakiá) no meio das águas”; “E D-us chamou ao firmamento (Rakiá) Céus”; “(…) sobre a face do firmamento (Rakiá) dos Céus” – Bereshit – Gn 1:6, 8 e 20.

Neste Céu encontramos a Academia de Estudos Celestiais (Yeshivah shel Ma’alah).

Existe uma passagem no Tanach que diz: “Também ao se ouvir uma voz no firmamento (Rakiá), acima de suas cabeças, paravam e baixavam suas asas” – Iehezkel (Ez 1:25).

Isto alude a afirmação Talmúdica – Chaguigá 11b – de que, tal qual os segredos místicos da Criação não devem ser expostos em público, assim também o ensino referente aos Segredos da Carruagem Divina (Merkavá), apresentada no primeiro capítulo de Ezequiel, também deve ser restringido.

Da mesma forma como Ezequiel observou a Carruagem Divina (Merkavá), Ia´aqov (Yaacov Avinu) também a viu em seu sonho com a escada que subia aos Céus (Rakiá) – Bereshit – Gn 28:12.

Aqui a nossa experiência com as letras do alfabeto hebraico, pode ser usada como canal para a energia criativa de D-us.

Terceiro Céu: 3 – Shechakim – (Pulverizadores ou Nuvens)

O nome Shechakim, derivada raiz ‘li’Shechok‘ – moer. Neste Céu, o maná é triturado no moinho de pedras, o qual é preparado para os tsadikim (justos).

Nos Salmos temos: “Entretanto, deu às nuvens (Shechakim) instruções e abriu as portas do Céu, fazendo chover sobre eles o maná” – Tehilim – Sl 78:23-24.

Também temos em Deuteronômio “(…) o D-us que sempre está em tua ajuda e que cavalga nos Céus (Shechakim) com Sua gloria” – Devariim – Dt 33:26.

Aqui, a nossa experiência de D-us nos chama pelo nome, e nos dá uma missão a ser cumprida na terra.

Neste momento, o bondoso senhor fez uma pausa. Pegou uma moringa de barro e ofereceu-me um pouco de água dizendo:

– por favor, beba esta água que é do riacho ao nosso lado, cuja fonte é do manancial de sabedoria. Sem hesitar, a bebi lentamente.

Nunca havia bebido algo tão especial. A cada gole sentia a minha força mental e física revigorada.

Após este evento, o sábio continuou a me relatar a respeito dos demais Céus.

Quarto Céu: 4 – Zevul – (Templo – Casa)

Neste Céu, encontra-se o altar do Templo Sagrado da Yerushalaim (Jerusalém) celestial, sobre o qual o grande príncipe angelical Michael, oferece suas oferendas de sacrifícios.

Em Isaías temos: “Dos Céus, volta para baixo o Teu olhar e mira-nos de Tua sagrada e gloriosa Casa (Zevul)” – Yeshaiáuhu – Is 63:15.

A Jerusalém celestial é construída como a Jerusalém terrestre, mas ao invés de elevar-se pedra sobre pedra, como esta última, está sendo levantada através das ações de bondade, verdade e justiça entre os seres humanos.

A nossa experiência de Jerusalém e do Templo Sagrado neste Céu, tal como existe no reino espiritual, está pronta a materializar-se no reino físico.

Quinto Céu: 5 – Maon – (Habitação – Morada)

É uma habitação para multidões de anjos (Malachim) que entoam canções [de louvor a D-us], com música e instrumentos durante a noite, porém, permanecem em silêncio durante o dia, em consideração aos cânticos do povo de Israel. Encontramos: “Cantai, ó Céus, e regozijai, ó terra, e irrompei em cânticos, (…)” – Yeshaiáuhu – Is 49:13. Em Deuteronômio temos: “Olha desde a morada (Maon) de Tua santidade, desde os Céus, e abençoa Teu povo Israel (…)” – Devarim – Dt 26:15.

Em Maon a experiência com as forças Divinas que atuam na natureza, nos torna capazes de tentar emular, ou seja, reproduzir o estilo ou a maneira com que D-us atua em nossas vidas.

Neste momento o sábio senhor fitou para cima e disse: Ai das criaturas que olham e não sabem o que estão olhando, ai das pessoas que estão em pé e não sabem sobre o que pisam.

Olhou fixamente para mim. Por um instante fiquei paralisado. Por fim, percebi uma luz de compaixão em seus olhos. Após alguns segundos voltou a me explicar a respeito dos demais Céus:

Sexto Céu: 6 – Machon ou Shmei haShamaim (Habitação ou Fundação)

Machon encontra-se abaixo do Kissê HaKavod (Trono de Esplendor) do Eterno. Aqui se fazem juízos sobre a terra. Alguns para perdoar, outros para castigar as transgressões contra a Torá.

Neste Céu, estão os celeiros de granizo e os depósitos de neve, bem como o orvalho nocivo, além das fortes chuvas, tormentas, câmaras em que são traçados os tufões e da gruta enfumaçada com seus portões de fogo. Todas estas citadas são utilizadas para a retaliação contra os ímpios.

Temos: “Ele está envolvido por densas e escuras nuvens, e justiça e direito formam as fundações (Machon) de Seu trono” – Tehilim – Sl) 97:2 ou “De Sua habitação (Machon), a todos os habitantes da terra dirige Seu olhar” – Tehilim – Sl) 33:13-14.

Lemos no versículo “Ve’Atah tishma ha’Shamaim, Machon leShivtecho” – “É ali, onde D-us habita, que as nossas preces são ouvidas e aceitas” – 1 Melachim – I Rs 8:39.

A experiência com o Nome inefável de D-us (Havayeh), neste Céu, faz Sua onipotência e onipresença, refletirem em cada aspecto da nossa realidade.

Sétimo Céu: 7 – Aravot – (Salgueiros ou Janelas).

É o mais elevado de todos os Céus. Encontram-se nele os tesouros da vida, da paz e da bênção, além do Bem da Justiça e a Caridade. Em Aravot habitam as almas de todos os justos e as almas dos que estão destinados a nascer além do sopro de vida com que D-us vai ressuscitar os mortos. Temos: “(…) as vistas dos que das janelas (Aravot) estendem seus olhares” – Kohelet – Ec 12:3, ou “Ainda que o Eterno fizesse janelas (Aravot) nos Céus, (…)” – 2 Melachim – II Rs) 7:2.

Em Aravot, a alma (Neshamá) transporta nossas lembranças e o registro de nossas ações perante D-us.

Aqui atingimos o derradeiro estado de Bitul, ou seja, da verdadeira auto-anulação com relação a D-us, tornando-nos uma “carruagem” Divina, um veículo de D-us, para cumprir Sua vontade na Criação.

Meu amado David, agora você entende porque a terra é mais louvada do que o Céu? Nela cada mínima ação reflete nos mundos espirituais.

– Perguntei: O que podemos fazer para nos ligarmos a D-us?

Ele me explicou:

– Saiba que a palavra mitzvá (mandamento) está associada à expressão “tsavta” que significa ligar-se, unir-se. Aquele que pratica uma mitzvá, está unindo-se à Essência do Todo-Poderoso – Hayom Yom (8 de Cheshvan).

O mundo inteiro é a vestimenta dos níveis mais baixos da santidade, pois o profeta Isaias diz: “Os Céus são o Meu trono e a terra é a base para os Meus pés” – Yeshaiáuhu – Is 66:1.

Uma boa ação, por mais simples que lhe pareça ser, irradia de Céu em Céu até chegar ao Trono da Glória do Altíssimo.

Aproveite a oportunidade que o Bom D-us lhe ofereceu para estar no mundo. Utilize cada instante de sua vida terrena com propósitos elevados através do pensamento, fala e ação, unicamente voltados para a vontade do Todo-Poderoso, trazendo assim a luz dos Céus para a terra, e desta maneira conseguir refletir esta mesma luz de forma muitíssimo multiplicada aos Céus.

Após relatar todo o exposto, o velho sábio aproximou-se carinhosamente com um olhar de benevolência e disse:

– Sei que há alguns meses, infelizmente você perdeu a sua querida mãe Mina bat Chaim Tzvi HaKohen, que descanse em paz. A recitação da oração do Kadish, as boas ações e o estudo da Torá que você faz por ela todos os dias, elevam de nível em nível, cada vez mais, sua alma ao paraíso. Que ela possa estar no mais alto Céu, protegida pelas asas do Altíssimo.

Volte, meu filho, seus pensamentos ao mundo terreno e cumpra com alegria e amor os mandamentos do Altíssimo, para que seja bom para você e os seus. Seja forte e corajoso, pois o Eterno teu D-us, está com todo o povo de Israel. Ele não vos deixará e não vos abandonará.

Depois de tudo que havia terminado de me contar, percebi que o dia começava a raiar. Após um longo abraço fraternal, o querido velhinho beijou-me no rosto.

Logo em seguida, acordei com minhas energias renovadas e percebi que era muito mais que um simples sonho.

Adaptação: Mário Moreno.

Share this Post