Paz Interior
No momento mais importante da história de uma nação incipiente, a tragédia acontece. No oitavo dia das cerimônias inaugurais do Mishkan, em um cenário terrivelmente desastroso, a Torah nos conta que “os filhos de Arão, Nadav e Avihu, pegaram cada um sua panela de fogo, puseram fogo nelas e incensaram sobre elas; e trouxeram diante de Hashem um fogo estranho que Ele não havia ordenado que trouxessem”. Imediatamente, “um fogo saiu de diante de Hashem e os consumiu, e eles morreram diante de Hashem” (Lv 10:1-2).

No versículo seguinte, Moshe consolou seu irmão com palavras que talvez não apaziguassem os mortais inferiores: “disso Hashem falou, dizendo: ‘Serei santificado por aqueles que estão mais próximos de Mim, assim serei honrado diante de todo o povo’”. Ahron compreendeu o verdadeiro significado, as implicações e a essência da mensagem; e a Torah nos diz “vayidon Ahron“, “e Ahron ficou em silêncio“. A Torah usa palavras mais poderosas do que “Ahron foi silenciado”. Ela nos diz que ele estava. A palavra hebraica dohme tem a mesma associação que dohmaim, um objeto inanimado. É assim que Ahron é descrito após ouvir as palavras de Moshe: totalmente subjugado e contente. Rashi nos diz que, no mérito da subjugação de Ahron e total subserviência ao decreto de Hashem, ele mereceu ouvir uma lei Kohanica, sozinho, diretamente do Todo-Poderoso, uma rota que normalmente o impedia ou, na melhor das hipóteses, o incluía como secundário a Moshe. A lei concedida a Ahron dizia respeito à proibição dos kohanim de beber bebidas intoxicantes antes de servir no santuário. A Torah nos diz: “Não bebam vinho inebriante, vocês e seus filhos com vocês, quando vierem à Tenda do Encontro, para que não morram — este é um decreto perpétuo para as suas gerações” (Lv 10:9). Os princípios da Torah geralmente correlacionam a recompensa com o ato que a mereceu. Qual é, então, a conexão entre o silêncio de Arão em resposta à tragédia e o fato de ele ser o único estudante da ordenança celestial contra o serviço divino sob a influência de álcool? Por que a aceitação meritória do decreto Todo-Poderoso levou a uma transmissão privada das leis contra a intoxicação sacerdotal?
Bill e seu amigo estavam bebendo demais quando desabaram em um estupor. Bill conseguiu cair em terra seca, enquanto seu amigo havia desabado na lama.
Quando Bill acordou e viu seu amigo, pensou que ele também sofrera o mesmo destino imundo. Deixando seu amigo dormindo na sujeira, ele cambaleou em direção à cidade, procurando um balde de água para se lavar. Na escuridão da noite, ele encontrou um balde cheio de líquido em frente à loja de ferragens local.
Bill pensou que estivesse cheio de água. Não estava. Estava cheio de cal.
Com a intenção de se lavar com ela, derramou o conteúdo sobre o corpo e esfregou-se cuidadosamente. Satisfeito, Bill foi até um mercado em busca de algo para beber.
Ao ver o espetáculo horrível, o proprietário ofegou: “Ora, Bill, o que diabos está acontecendo?”
Ao que Bill proclamou orgulhosamente: “Você deveria ter me visto antes de eu me lavar!”
Para entender a correlação entre a proibição do serviço embriagado e a aceitação estoica de Ahron do decreto de Hashem, é preciso entender que um Kohen, em sua mente, beberia para elevar seu espírito, ainda que artificialmente, e, portanto, seu serviço. Como alguém que aceita o decreto de Hashem, sem clamor ou manipulação externa, Ahron HaKohen demonstrou que entendia que não existe fonte artificial para elevar o espírito ou compreender D’us. Paz e força vêm de dentro da alma e do espírito daqueles que O servem. Quando alguém está satisfeito com sua relação perfeita com Hashem, quando percebe que, embora tenha caído, possui a capacidade inata de se recuperar, não precisa de estímulos.
Aceitar um decreto sem queixas é um reconhecimento de que o espírito, a forma e a personificação de um ser mortal são completamente subservientes à força de Hashem, satisfeito com sua situação total, sem necessidade de dispensação, compensação, declarações ou apaziguamentos externos. Ele é um com seu Criador e Sua vontade.
Quando alguém busca estímulos externos, mesmo a serviço de Hashem, busca mais do que o necessário para cumprir sua missão. Ele está se banhando no que pensa ser purificador, mas não é. Isso alterará desnecessariamente as perfeitas facilidades que Hashem lhe concedeu, e isso não é benefício, é até prejudicial. Ao ingressar no serviço perfeito de Hashem, deve-se ser perfeito consigo mesmo. Aqueles que conseguem aceitar os decretos de Hashem em perfeita harmonia e viver com tudo o que Hashem lhes concedeu não precisam de estimulantes. Intoxicantes externos não purificam a mente; eles acrescentam confusão. E aqueles que vivem em sagrada comunhão com seu eu puro e a alegria do Todo-Poderoso são dignos de carregar a bandeira da compreensão, do silêncio, da solidão e da serenidade perfeita e inalterada.
Tradução: Mário Moreno
