Você no seu melhor
Você no seu melhor
“Em Yom Kippur, sua alma central – sua própria essência – é exposta”. — Rabino Shneur Zalman de Liadi.
“No dia mais sagrado do ano, a parte mais sagrada de sua alma entra no espaço mais sagrado que existe”. — O Rebe.
Quanto do seu potencial foi realizado? Como você deve ter adivinhado, esta é uma pergunta capciosa. Porque devemos primeiro saber quanto potencial temos antes de determinar o valor que foi aproveitado. A verdadeira questão então é: Você sabe quanto potencial você contém? Quão profunda é a sua alma? Ou nas palavras de Alice no país das maravilhas: Até onde vai a toca do coelho?
Este não é um mero exercício acadêmico; é a chave para resolver muitos, senão a maioria de nossos desafios e lutas. Quantos de nossos problemas são resultado de nos sentirmos sem esperança e desmoralizados devido a uma avaliação errada ou subestimada de nosso verdadeiro potencial? Quantas de nossas preocupações seriam resolvidas se soubéssemos que temos os recursos e a força para lidar com elas?
Pense desta forma: quando confrontado com um dilema, quanto do desafio é o problema em si e quanto é nossa confiança em nossa capacidade de encontrar uma solução? Quem está em melhor posição para lidar com uma situação difícil: alguém com mais potencial (mas menos consciência de seu poder latente) ou com mais confiança e convicção (mas com poder de fogo menos potente)? Tudo isso ressalta a importância crítica de conhecer o quão poderoso você realmente é, em oposição ao quão poderoso você pensa que é.
O dia mais sagrado do ano
Agora imagine que você tem um dia por ano em que pode se encontrar cara a cara. Um dia em que a alma principal é descoberta e você pode ver quem você realmente é – não apenas quem você pensa que é.
Não seria algo fantástico?
Bem, realmente nos foi dado esse dia. Esse dia é chamado de Yom Kipur. Um dia em que podemos viajar para as profundezas de nossas almas e descobrir reentrâncias e dimensões até então desconhecidas que podem capacitá-lo a alcançar o aparentemente impossível.
Yom Kippur abre as portas para o âmago de nossas almas interiores, para nossa própria essência, e como canalizar esses poderes íntimos em nossas vidas e relacionamentos diários.
Os cabalistas e mestres chassídicos nos ensinam que a alma, por assim dizer, é composta de cinco dimensões, uma enrolada na outra:
- O nível superficial da alma é Nefesh – vida sensorial. A definição médica de vida biológica: um coração batendo, um cérebro vivo, um organismo que respira. Na linguagem das sefirot cabalísticas – as três sefirot funcionais inferiores, netzach, hod, yesod (neh…i).
- A camada dois é Ruach – vida emocional. Os middot mais altos, chesed, gevurah, tiferet (chaga´s).
- Neshama – vida intelectual. Mochin, chochma, binah, daat (chabad).
Esses três primeiros níveis são dimensões imanentes, conscientes e localizadas (kochot penimi’im). Então vem os poderes transcendentes e não localizados de keter (a coroa acima da cabeça):
- Chaya – vida transcendente. Arich (o domínio inferior de Keter).
- E finalmente Yechida – unidade – a pura essência da alma. Atik (a dimensão superior de keter). Yechida, unidade, é o pintele yid – o ponto interior, o ponto mais puro do seu eu mais íntimo. A criança interior da inocência. Seu núcleo.
Nossas experiências mais tangíveis estão nas camadas externas da alma; o que nossos sentidos superficiais e consciência básica podem perceber. Mas nossas experiências mais verdadeiras e significativas estão nos níveis internos da alma, o mais profundo de todos – no nível yechida.
No entanto, os recessos mais profundos da alma estão envoltos em suas camadas externas, que por sua vez estão envoltas na crosta dura do corpo físico e do universo material.
Assim, temos três orações diárias (shacharit, mincha e maariv) correspondentes às três primeiras dimensões conscientes da alma (nefesh, ruach, nehsama) que podemos acessar em nossas rotinas de vida diária.
No Shabat e feriados, adicionamos uma quarta oração (musaf), refletindo a dimensão transcendente do chaya acessível nesses dias sem trabalho material.
E uma vez por ano, achat ba’shono (lit. uma vez por ano), todas as camadas são retiradas e experimentamos a quinta dimensão – daí a quinta oração neilah na conclusão de Yom Kippur – “achat”, a unidade e unidade da dimensão mais íntima da alma, o santo dos santos – yechida sheb’nefesh.
Como o sumo sacerdote que entrou no santo dos santos apenas no dia mais sagrado do ano, em Yom Kippur, a parte mais sagrada de cada alma entra no espaço mais sagrado da existência e pode acessar o núcleo mais profundo de seu ser.
Esta é a história das nossas vidas. Nascemos crianças puras e inocentes. Crianças que sonham sonhos encantados, acreditam que tudo é possível e esperam o máximo. Crianças vulneráveis – não poluídas e não corrompidas. Então os desafios da vida são infiltrar-se em nossas experiências. Lentamente (alguns mais rápido que outros) aprendemos sobre engano, duplicidade, decepções e expectativas não realizadas. À medida que os anos passam nas camadas externas de nossa alma e a casca do corpo endurece, a inocência se perde e as expectativas diminuem. À medida que experimentamos realidades mais duras, muitos de nossos sonhos e idealismo diminuem, até que muitos de nós chegamos a um ponto de resignação silenciosa, nos distraindo com estímulos externos, qualquer coisa que alivie nossa solidão existencial. Alguns desenvolvem ferramentas mais afiadas como cinismo ou pior.
Por mais que ansiamos por intimidade que ressoe profundamente dentro de nós, o triste fato é que a estimulação sensorial consome nossas vidas diárias, ofuscando nossa essência inocente, a ponto de nossa vida interior ser mais frequentemente deixada de lado, se não simplesmente faminta.
Então há esperança? Podemos alcançar nosso yechida interior?
A resposta é sim – no Yom Kippur. Mas não é um processo simples.
Entrar no santo dos santos das almas não é coisa fácil. Não entramos lá à vontade e sem muito cuidado. Sendo o lugar mais puro em seu coração e a dimensão mais íntima da alma, yechida (o santo dos santos) é extremamente sensível. Cada movimento sutil, mesmo o menor tremor, tem um impacto dramático nos lugares mais delicados de nossa psique. Observe a ultra sensibilidade de um recém-nascido ao toque e ao ambiente. [É por isso que o abuso que atinge nossa intimidade, especialmente quando crianças pequenas, tem consequências tão devastadoras]. Por analogia: um fio de cabelo em sua manga é inofensivo, mas em seu olho é altamente irritante. Nossos órgãos externos são protegidos de bactérias, mas expor nossos órgãos internos requer um ambiente altamente esterilizado. Quanto mais sutil e puro o local, maior o cuidado necessário para preservar seu caráter intocado.
Mas um dia por ano nos é dado o poder de entrar em nosso santo dos santos. E entramos com muito cuidado: jejuamos e suspendemos, tanto quanto possível, nossa imersão no mundo material. Passamos o dia em oração e vestidos de branco – tudo para criar o ambiente adequado para entrar no lugar mais sagrado de nossas almas.
Esse dia é Yom Kippur – o dia da quinta dimensão, quando celebramos yechida: O primeiro e único dia do ano em que cada um de nós tem o poder de acessar nossa inocência. Neste dia você pode se tornar como o Sumo Sacerdote e entrar no seu próprio santo dos santos.
No Yom Kippur você retorna ao seu filho, à sua inocência, ao seu lugar mais puro. Mas desta vez, a inocência e a exuberância da criança vêm unidas ao tempero e experiência de um adulto. [Uma das visões mais impressionantes é testemunhar a fusão da idade adulta e da infância. Observe um ancião que ainda mantém o brilho – a coragem, o entusiasmo e as possibilidades – da juventude].
E nisso reside o poder de Yom Kippur.
Yom Kippur nos diz que sua inocência íntima nunca se perde. Talvez escondida. Talvez profundamente escondida. Seu filho pode estar se escondendo. Depois que seu filho foi magoado e desapontado, depois que ele ou ela viu como as pessoas podem ser cruéis – seu filho se esconde. O que surge é um adulto com uma armadura metálica, uma extensa e complexa bateria de mecanismos de defesa, protegendo a criança vulnerável das dores do mundo. Às vezes a criança está tão bem escondida que o “adulto maduro” não consegue nem ver seu próprio filho dentro.
Mas então nos é dado um dia como Yom Kippur, quando podemos abrir as portas e espiar dentro. E como fazemos – a criança interior recebe o poder, permissão e força para olhar de volta para nós.
Você pode ver seu filho, seu núcleo, seu yechida?
Mesmo o mais cínico entre (e dentro) de nós tem um lado puro. Mesmo o mais cansado tem um momento de verdade. Yom Kippur nos ensina a mensagem mais vital de esperança: nunca desista de si mesmo – de seu eu interior e puro. Não importa o quão desafiadora sua vida tenha se tornado, não importa o quão desgastado você esteja, apesar de suas amargas decepções, perdas e feridas – seu yechida interior sempre permanece intacto.
Mesmo que você desista de tudo, nunca desista dessa criança pura que está embutida dentro de você. Essa criança – a parte mais sagrada de seu coração e alma – pode ser seu último vestígio de seu maior potencial e o último refúgio de esperança.
Se nada mais – um dia por ano segure o que é mais caro. Dê a seu filho, sua alma, uma chance de falar com você.
Valorize seu filho. Proteja ela. Cultive sua ternura. Acima de tudo, seja gentil com ela. Afinal, ela é você – o melhor de você.
* * *
Em um nível muito básico, essa consciência pode mudar todas as suas interações, a maneira como você olha para os outros e a maneira como você olha para si mesmo.
De fato, essa perspectiva de Yom Kippur/Yechida transformou minha vida e meu trabalho. Em uma nota pessoal, permita-me compartilhar uma das lições mais importantes que tirei do único dia mais sagrado do ano: ir além de suas próprias percepções, expurgar todo julgamento e ver a majestade na jornada de cada alma.
Conheço muitas pessoas. Alguns deles vêm a mim para aconselhamento pessoal e para tirar dúvidas. Aprendi que uma coisa acima de tudo permite a confiança para oferecer ajuda – e sempre ter uma perspectiva positiva. E isto é: sempre olhar além da superfície e ver a bela alma em cada pessoa. Mesmo antes de começar a falar e interagir, procure a dimensão pura e inocente no indivíduo sentado diante de você, e torne sua missão fazer tudo ao seu alcance para ajudar essa pessoa a reconhecer e acessar essa força em sua vida.
Foi assim que fui treinado pelo meu Rebe – nosso Rebe Ieshua – para viajar sob as mortalhas externas e buscar o núcleo interno de cada indivíduo que encontramos.
Imagine como seriam nossas vidas se nos olhássemos dessa maneira – buscando o melhor em cada alma que encontramos; reconhecendo o melhor dentro de nossas próprias almas.
Com tal atitude imagine como seria o mundo…
Tradução: Mário Moreno.