Mário Moreno/ março 16, 2023/ Artigos

Acrescentando “chiar” ao Bife

Não acendereis fogo em nenhuma das vossas habitações no dia de sábado” (Ex 35:3)

Muitos dos comentários discutem por que a Torah separa o acendimento do fogo de todas as outras formas de trabalho proibido do Shabat. (Ver Ramban 35:3, Shabat 70a) Rav Sadya Gaon explica que a ênfase deve ser colocada na última parte do verso, “bechol moshvosaichem” – “em todas as suas habitações”. A Torah está nos ensinando que a proibição de acender fogo se aplica a todos os lugares onde vivem os filhos de Israel. A necessidade dessa ênfase, explica Rav Sadya Gaon, é evitar que uma pessoa erre aplicando a proibição apenas ao período de tempo durante o qual os filhos de Israel subsistiram do maná. (Ex 35:3) Que razão poderia levar uma pessoa a chegar a tal suposição?

Uma possível solução que poderia ser proposta é que, visto que o maná não exigia preparação, alguém poderia pensar que somente em circunstâncias semelhantes, quando o fogo não fosse usado, o acendimento seria restrito. No entanto, talvez quando o fogo fosse usado para a preparação de alimentos, a lenha fosse permitida. A falha nessa abordagem é que os filhos de Israel usaram fogo na preparação do maná, como atesta o versículo: “asher tofu eifu v’es asher tevashlu basheilu” – “asse o que deseja assar e cozinhe o que deseja cozinhar”. (Ex 16:23) Claramente, a preparação do maná incluía cozinhar e assar, mas essas atividades ainda eram proibidas no Shabat.

Para começar a abordar a dificuldade acima mencionada, devemos primeiro entender por que os filhos de Israel cozinhariam e assariam o maná se ele fornecesse todos os sabores imagináveis, mesmo em seu estado bruto. Um fator importante na palatabilidade culinária é a apresentação e a aparência dos alimentos. Embora o maná oferecesse todos os sabores desejados, sua aparência nunca mudava. (Ver Yoma 75b) Para aumentar seu apelo visual, os filhos de Israel recorreram a cozinhar e assar o maná.

Rav Sadya Gaon está explicando que alguém pode ter pensado que, uma vez que tal uso de fogo não é essencial no processo de preparação de alimentos, ele cai sob a jurisdição da proibição do Shabat da Torah. Quando, entretanto, o fogo fosse necessário para tornar a comida comestível, a Torah permitiria seu uso no Shabat. Portanto, a Torah enfatiza que em todas as circunstâncias o acendimento do fogo é proibido “em todas as suas habitações”.

Pés no chão

Ele o encheu com espírito divino, com sabedoria, entendimento e conhecimento…” (Ex 35:31)

A Mishná em Pirkei Avot declara “im ayn bina ayn da’at, im ayn da’at ayn bina” – “se não há entendimento, não há conhecimento, se não há conhecimento, não há entendimento”. (3:17) O Maharal cita a explicação do Rivash que define “da’at” como entendimento conceitual básico, um exemplo do qual seria que a soma de um todo é maior que suas partes. “Bina” é o segundo nível de compreensão que é derivado através da aplicação de “da’at”. (Derech Chaim p.155).

Com base no verso que descreve os atributos de Betzalel, “Hashem o encheu de espírito divino, com sabedoria (chochmah), entendimento (tevunah) e conhecimento (da’at)”, o Maharal questiona a interpretação do Rivash. A Torah elogia os da’at de Betzalel como uma de suas qualificações para a construção do Mishkan. Se da’at é apenas a consciência dos conceitos mais rudimentares, por que então, pergunta o Maharal, a Torah considera complementar atribuir Betzalel com ele? (Ibid)

É comum encontrar uma pessoa que possui talentos de nível genial em um determinado campo, mas não tem noção dos procedimentos rudimentares mais básicos. Esta situação é especialmente problemática com indivíduos que se aprofundam em assuntos que são esotéricos ou místicos por natureza; eles começam a perder o contato com a realidade. Aqueles procedimentos que são elementares para a pessoa comum são estranhos a este indivíduo. O “místico” perde a capacidade de realizar atividades diárias.

Embora Betzalel fosse um cabalista da mais alta ordem, como atestado pelo Talmud que afirma que com seu conhecimento, Betzalel tinha a capacidade de recriar os céus e a terra, (Berachot 55a.) a Torah atesta que ele não perdeu o contato com a realidade; ele ainda possuía “da’at”. Embora isso possa não parecer um elogio para a pessoa comum, para o indivíduo cuja mente está preocupada com ideias e pensamentos que o removem deste mundo, possuir da’at é uma grande conquista. A verdadeira sabedoria deve ser acompanhada por um forte senso de realidade. Se a sabedoria faz com que o indivíduo perca esse senso de realidade, então falta a própria sabedoria.

Tradução: Mário Moreno.